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Donald Trump, verdades, mentiras, capitalismo e democracia

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Atualizado às 07:59

Já tive oportunidade de lembrar que candidatos em eleições seguem o modelo típico da sociedade capitalista: são pensados e produzidos do mesmo modo que os produtos que os consumidores encontram nas prateleiras de supermercados e lojas de shopping centers. E o candidato é apresentado ao eleitor dentro da lógica da oferta e da publicidade à disposição dos partidos.

Aliás, as campanhas contratam os melhores publicitários para montar a propaganda. Até a embalagem é bem estudada: cortes de cabelo, roupas, maquiagem, postura etc., tudo é muito bem arquitetado.

E o que sai de dentro da embalagem? As falas. São planejadas, discutidas, ensaiadas, muito antes de serem pronunciadas, de tal modo que possam atingir os ouvidos, corações e mentes do público alvo (o eleitor).

Assim, pronto o produto (candidato), ele é entregue ao mercado de consumo (público alvo, imprensa, organismos institucionais etc.) como algo a ser comprado num dia certo, o das eleições.

São produtos caros, como se sabe. Por exemplo, a campanha da candidata democrata Hillary Clinton recebeu cerca de US$ 687 milhões (ou R$ 2,2 bilhões). No caso do candidato republicano, Donald Trump, sua campanha levantou cerca de US$ 307 milhões (R$ 982 milhões)1. Esse enorme montante foi gasto para promover os "produtos" candidatos.

É mesmo possível comparar empresas com partidos políticos no que diz respeito a seus produtos. O modo como a oferta é feita, como disse, segue modelos muito parecidos até no que diz respeito à maquiagem das informações. Se bem que, devemos admitir, os empresários mentem muito menos que os políticos. Para sorte dos consumidores e do mercado, as promessas que envolvem os produtos e os serviços são muito mais sinceras que as promessas de campanhas.

Para produtos e serviços, o Código de Defesa do Consumidor - e várias leis em outros lugares também - proíbe a publicidade enganosa e a abusiva. Quem sabe não ajudasse o eleitor a existência de uma lei similar para as campanhas políticas...

Mas quero mostrar um paradoxo no caso da eleição presidencial norte-americana. Pelo que se percebe do noticiário, existe uma enorme torcida para que o presidente eleito, Donald Trump, desminta algumas de suas propostas de campanha. Ou seja, há uma esperança - um tanto estranha - de que ele tenha agido exatamente como os demais candidatos tradicionais e, no exercício do poder, deixe de cumprir o que prometeu. "Tomara que ele tenha mentido", é o pensamento que está por detrás dessa expectativa. Ou, como disse nosso ministro das Relações Exteriores, José Serra, a respeito: "Treino é treino, jogo é jogo"2.

E, nas análises já feitas sobre a derrota da candidata democrata, uma indicação é a de que muitos americanos simplesmente deixaram de votar, isto é, não "compraram" os produtos que estavam sendo oferecidos, o que teria favorecido ao candidato republicano. Esse fenômeno também apareceu nas recentes eleições municipais no Brasil: o índice de abstenção e de votos nulos foi altíssimo, a mostrar o desinteresse dos eleitores.

De fato, se o eleitor (ou o consumidor) não acredita na oferta nem gosta do produto, deixam de votar (ou comprar). A diferença nesse aspecto, no entanto, é que, quando o consumidor não compra um produto, este fica na prateleira e pode dar prejuízos para o fornecedor. Mas, quando o eleitor deixa de votar, o resultado pode surpreender, como se viu nas eleições presidenciais americanas, com consequências imprevisíveis para a sociedade.

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