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A questão da execução injusta

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Atualizado em 13 de setembro de 2017 15:29

Cuido hoje de um tema que envolve não só direito do consumidor como os outros demais setores jurídicos. Começo lembrando que o termo "execução injusta" foi construído pela doutrina1. Trata-se de procedimento de execução iniciado e efetivado por ordem do suposto credor que tem, ao final do processo, decisão definitiva contra sua pretensão.

Para cuidar do tema, usarei dois casos de execução como exemplo: a) uma execução do título extrajudicial com penhora de um imóvel e b) uma execução de astreintes levada a efeito pelo credor provisório. Na primeira, vamos supor que os embargos tenham sido rejeitados, com recurso sem efeito suspensivo em superior instância. O imóvel, avaliado em R$2 milhões é levado à praça e arrematado por 70% do preço. O executado perde o bem, enquanto aguarda a(s) decisão(ões) das Cortes Superiores.

Na segunda, digamos que, numa ação visando obrigação de fazer, seja fixada uma multa diária para que a obrigação imputada ao réu seja cumprida e que este deixe passar bastante tempo antes de cumprir a ordem, gerando muitos dias-multa em função do descumprimento da medida. E imaginemos que o réu, nesse tempo de espera e descumprimento, tenha buscado as instâncias superiores visando a modificação do julgado, mas ainda sem sucesso. Nesse ínterim, somados os dias-multa, o autor da ação faz penhora dos valores na conta bancária do réu e, assim que possível, efetua o levantamento da importância.

Naturalmente, em ambas as hipóteses, a execução é feita por conta e risco do autor, pois, ainda que ele tenha a seu favor uma decisão judicial, esta é provisória, somente tornando-se definitiva após o transito em julgado. Assim, eventual dano ocasionado ao Réu pelo tempo de espera para a confirmação da decisão ou sua reforma é de responsabilidade do exequente. Esse é o sentido de execução injusta, matéria regulada no art. 520, I e II do CPC, nesses termos:

"Art. 520 - O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, sujeitando-se ao seguinte regime:

I - corre por iniciativa e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;

II - fica sem efeito, sobrevindo decisão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos;"

Trata-se de responsabilidade objetiva do suposto credor. Por isso, havendo modificação do julgado que permitiu a execução provisória, ele arcará com todo prejuízo causado à parte contrária. Como já ensinava Chiovenda:

"A lei confere a ação executória anormal ao particular a seu risco e perigo, quer dizer, fazendo-o juiz responsável da existência efetiva de seu direito à prestação: se se apurar que esse direito inexiste, ele obriga-se pelos danos. Recai num círculo vicioso a afirmação de que não se pode obrigar pelos danos aquele que se serve de um direito seu, porquanto esse direito de demandar não é absoluto, mas limitado justamente ao risco que o autor vitorioso assume. E é mais justo que suporte o dano aquela das duas partes que provocou, para vantagem própria, a medida finalmente injustificada, desde que a outra nada fez para acarretar a si própria esse dano e nada era obrigada a fazer para evitá-lo"2.

E a indenização pelas perdas e danos há, evidentemente, de ser plena, sendo despicienda qualquer discussão acerca da existência ou inexistência de culpa. Nesse sentido expõe Araken de Assis:

"A execução provisória constitui um direito do exequente e, enquanto se desenvolve, processa-se válida e regularmente. Sucede que também produz, no plano do direito material, resultados danosos. Logo, o exequente indenizará por ato ilícito, e a noção de culpa pouco contribuiria na definição dessa responsabilidade"3.

A situação caracteriza abuso do direito, previsto no artigo 187 do Código Civil4, ou seja, ato ilícito, regulado pelos preceitos da responsabilidade civil extracontratual. Incide, pois, na hipótese, o artigo 927 do Código Civil:

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

Consequentemente, a mora corre desde o primeiro momento da pratica executiva danosa, nos termos do artigo 398 do Código Civil, que estabelece:

"Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou".

Tema pacificado na jurisprudência, inclusive pela Súmula nº 54 do STJ:

"Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual".

Essa Súmula é de 1992, mas tem sido reiteradamente aplicada, como se vê de recente julgado da terceira Turma do STJ:

"Havendo ato ilícito, a mora ocorre no exato momento do cometimento do ato, razão pela qual, a partir daí, começam a incidir os juros moratórios, nos termos do art. 398 do CC"5.

Logo, os juros moratórios devem ser computados a partir da data do primeiro ato danoso cometido pela execução injusta.

Antes de analisar os exemplos acima trazidos, consigno, ainda, que o fato do Autor da ação oferecer caução (ou cumprir a determinação judicial de oferecê-la) não modifica sua obrigação de indenizar o Réu. Apenas garante que o valor a que o Autor for condenado será coberto total ou parcialmente pela garantia oferecida.

Fiquemos, agora, com os casos exemplares que acima propus para pensarmos nos resultados.

No primeiro, se os Tribunais Superiores derem ganho de causa ao Réu, acolhendo os embargos à execução por falta de título executivo hábil, o Autor terá que pagar indenização plena. Na impossibilidade de devolução do imóvel, terá que entregar em dinheiro o preço correspondente ao mesmo. Anoto: o preço, isto é, o valor real de mercado e não aquele dado como lance vencedor no leilão (70%). Isto porque a perda foi de 100% do imóvel e a indenização há de ser integral. Além disso, sobre o valor incidirá correção monetária integral e juros de mora de 1% ao mês, calculados a partir da data do início do dano e, ainda, a importância relativa aos lucros cessantes, tais como valor mensal de aluguel ou, se o imóvel for rural, o valor mensal do arrendamento ou das perdas com produção etc. Além, naturalmente, de todas as despesas judiciais, extrajudiciais e honorários de advogado.

No segundo caso, digamos que o suposto credor tenha feito penhora de dinheiro depositado na conta do executado e o tenha levantado em certa data. Uma vez derrotado em sua pretensão, terá que recompor completamente as perdas e danos causados. No cálculo do valor a ser restituído/indenizado deverá ser incluída a correção monetária integral e os juros de mora de 1% ao mês calculados desde a data do início do dano mais custas, demais despesas e honorários de advogado. Além disso, tem direito aquele que foi executado injustamente, a receber o valor relativo às perdas financeiras dos investimentos que não puderam ser feitos como, por exemplo, aplicações em CDI ou CDB e demais perdas diretas, tais como os valores pagos a título de garantias oferecidas ao banco, seguro-fiança, eventuais juros e despesas incorridas com empréstimos feitos para o pagamento do valor executado etc.. Tudo a permitir a integral recomposição financeira das perdas ocasionadas.

Aliás, neste caso, o cálculo das perdas e danos é bastante simples e fácil de demonstrar, eis que envolve datas conhecidas e taxas oficiais publicadas, além de outras relativas aos investimentos bancários (que podem ser calculados pela média de mercado) e as pagas a título de seguro-fiança, eventuais empréstimos etc..

A modalidade de liquidação há de ser aquela que se mostrar mais conveniente às hipóteses, aplicando-se as regras dos artigos 509 a 512 do CPC.

__________

1 Por exemplo, utilizam a expressão "execução injusta": Donaldo Armelin. O processo de execução e a reforma do código de processo civil. Reforma do código de processo civil. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (coord.) - São Paulo: Saraiva, 1996, p. 684 e Leonardo Greco. O processo de execução. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, v. 2, p. 49-50.

2 Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 270. São Paulo: Saraiva, 1965.

3 Araken de Assis. Manual da execução. 14ª edição rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 392.

4 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

5 REsp 1.556.118/ES - 3ª T. - Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino - j. 13/12/2016 - DJe 19/12/2016.