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Ainda a literatura de cordel

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Atualizado em 2 de fevereiro de 2012 15:16

Falei outro dia dos repentistas e suas rimas (clique aqui). A vantagem desse tipo de poesia é que não tem mais fim, especialmente em tempos de internet. Tenho provocado alguns cantadores com esse tipo de poesia, dentre os quais o Zé Preá, o Ontõe Gago e o Mano Meira, aqui homenageados.

DESAFIO

Ontõe Gago e Zé Preá,
gente boa num repente,
se encontraro em Cabrobró
pra alegria dos presente.
Fizero um forrobodó
de botá inveja na gente.
Desafia um daqui
arremete outro de lá
e ameaça arrebentá
a cara desse sagüi.

Eis que chega um forastero
para entrá na brincadera.
Quem é ele? Mano Mero,
vindo do sul brasilero.
No Nordeste é no repente,
lá no sul é Califórnia.
Veja o senhor a esbórnia
que ele tem na sua frente.

Zé Preá puxa o punhá
Mano Meira sua espada.
Bota ela ali deitada
no terreno do quintar.
E o gaúcho vem bailando
saltita sobre a danada.
Zé Preá nun intende nada,
Ontõe Gago só mirando.

Toda lida ali termina
com gritinho e alegria,
com abraço e cantoria.
Coisa munta feminina.

Devo agora terminá
este modesto repente.
Me desculpe, Zé Preá,
se lhe fui tão renitente.
Mano Meira vem pra cá
comer churrasco co'a gente.
Ontõe Gago vai dançá
xaxado, todo contente.

Publicados os versos, os três se encheram de brios e se puseram a engrossar o cordel.

A literatura do cordel (clique aqui): é tipicamente nordestina. Um dos maiores cantadores do Nordeste, se não for o maior deles todos, era o cego Aderaldo (clique aqui). Ficaram famosas as cantorias encabeçadas por ele, pois sempre aparecia alguém querendo superá-lo. E quase sempre acabava entregando os pontos. "Apanhando", como dizem eles. Um desses desafios, por sinal longuíssimo, terminou, porém, empatado, como ele mesmo relatou depois:

"Havia quatro cervejas
que um coronel apostou
dizendo que todas quatro
pertencem ao vencedor.
Nós bebemos as cervejas.
Nem um nem outro apanhou".

Menos não fez Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido por seu sintomático apelido (clique aqui).

Até Luiz Gonzaga musicou-lhe longuíssimo poema, uma espécie de Lusíadas nordestino (clique aqui).

Talvez você prefira o Patativa do Assaré a descrever a morte da própria filha, com direito a rabeca e viola.

Curiosamente, quem me enviou esse longo lamento, há muito tempo, foi o Francimar Torres Maia, advogado no Rio Grande do Sul, homem de biografia extraordinária
(clique aqui), pois, nascido no Ceará, ali fez seus primeiros estudos. Foi beneficiado com uma bolsa de estudos oferecida por uma entidade do Rio Grande do Sul. Graças à compreensão de seus pais, cruzou o país e tornou-se o popular Cearucho, exemplo de vida para todos nós.

Coisas desses brasis.