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O ônus da dialeticidade e a jurisprudência defensiva

quinta-feira, 1 de março de 2018

Atualizado às 08:21

Rogerio Mollica

O novo Código de Processo Civil procurou desmontar a maioria das barreiras impostas ao conhecimento dos recursos. Está claro que o novo Código buscou eliminar a jurisprudência defensiva dos Tribunais. Sob a égide do novo ordenamento se procura que eventuais vícios sejam sanados para que os recursos sejam conhecidos e julgados.

Desde logo a doutrina anteviu a existência da armadilha da necessidade da comprovação prévia do feriado local, sendo que tal tema já foi objeto de estudos nessa coluna, em texto de minha autoria publicado em 06 de julho de 2017.

Quando se fala em limitação à Jurisprudência Defensiva dos Tribunais, logo é citado o parágrafo único do artigo 932 que prevê: "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível".

Entretanto, nesse mesmo importante artigo 932 em que temos os "poderes-deveres" dos relatores encontramos o inciso III que prevê incumbir ao relator "não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida".

A previsão quanto ao não conhecimento de recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida vem sendo exacerbada a ponto de ser tida como uma nova Jurisprudência Defensiva criada por nossos Tribunais para não conhecer de uma grande quantidade de recursos1.

Por outro lado, não se pode falar que seria uma novidade em nosso ordenamento, eis que somente generaliza a previsão da súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça: "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada".

Poder-se-ia até entender que seria a moeda reversa da previsão do artigo 1.021, § 3º que prevê que "É vedado ao relator limitar-se à reprodução dos fundamentos da decisão agravada para julgar improcedente o agravo interno".

De fato, com as facilidades do computador e do uso do "recorta e cola" em textos, é comum que um agravo interno seja praticamente igual ao recurso que foi julgado monocraticamente2. A simples reprodução deve ser evitada, pois pode acarretar o não conhecimento do recurso.

O Superior Tribunal de Justiça vem sistematicamente exigindo a impugnação específica a todos os fundamentos da decisão impugnada como um dos requisitos para a admissão dos recursos, sendo que a falta de tal fundamentação não pode ser suprida posteriormente:

"PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECEBIMENTO COMO AGRAVO INTERNO. FUNGIBILIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRINCIPIO DA DIALETICIDADE. ART. 932, III, DO CPC DE 2.015. INSUFICIÊNCIA DE ALEGAÇÃO GENÉRICA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. Consoante os princípios da fungibilidade e da economia processual, e tendo em vista que o pedido de reconsideração não consta do rol de recursos do art. 994 do NCPC, é possível o recebimento pedido de reconsideração como agravo interno (RCD no AREsp 886.650/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 17/5/2016, DJe 25/5/2016).

2. À luz do princípio da dialeticidade, que norteia os recursos, compete à parte agravante, sob pena de não conhecimento do agravo em recurso especial, infirmar especificamente os fundamentos adotados pelo Tribunal de origem para negar seguimento ao reclamo.

3. O agravo que objetiva conferir trânsito ao recurso especial obstado na origem reclama, como requisito objetivo de admissibilidade, a impugnação específica aos fundamentos utilizados para a negativa de seguimento do apelo extremo, consoante expressa previsão contida no art. 932, III, do CPC de 2.015 e art. 253, I, do RISTJ, ônus da qual não se desincumbiu a parte insurgente, sendo insuficiente alegações genéricas de não aplicabilidade do óbice invocado.

4. Esta Corte, ao interpretar o previsto no art. 932, parágrafo único, do CPC/2015 (o qual traz disposição similar ao § 3º do art.

1.029 do do mesmo Código de Ritos), firmou o entendimento de que este dispositivo só se aplica para os casos de regularização de vício estritamente formal, não se prestando para complementar a fundamentação de recurso já interposto.

5. Agravo interno não provido.

(RCD no AREsp 1166221/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017)

Que se faz necessário o ataque aos fundamentos da decisão atacada não há dúvidas, o que não pode ocorrer é a exacerbação de tal previsão a ponto de inviabilizar o conhecimento dos recursos. Sendo assim, cabe aos advogados ficarem atentos a essa nova barreira processual e, na medida do possível, atacarem todos os fundamentos da decisão recorrida, para que o recurso possa ser conhecido e julgado.

__________

1 Nesse sentido Dierle Nunes e Antônio Aurélio de Souza Viana advertem "para a  literatura jurídica do risco do ônus da dialeticidade se tornar um novo foco para uma "pseudo-sofisticada" forma de jurisprudência defensiva e para a advocacia da impossibilidade de se reproduzir peças recursais sem indicar os fundamentos da decisão impugnada que se busca atacar com a apresentação e as razões de impugnação, de modo a seguir os comando indicados na decisão supra transcrita. Toda reprodução mecânica de arrazoados tende a ser penalizada." ("Ônus da dialeticidade: nova "jurisprudência defensiva" no STJ?", texto publicado no site Migalhas de 15/5/2017).

2 incomum que a apelação seja uma repetição da inicial ou da contestação e isso é indesejável. O recurso tem de impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida, embora possa, é claro, repisar alguns argumentos de fato e de direito constantes nas peças iniciais. Ademais, recursos que não atacam especificamente os fundamentos da decisão impugnada geram uma quase impossibilidade de exercício pleno à defesa, porque dificultam sobremaneira a resposta: de duas uma, ou a parte responde ao recurso, ou sustenta que deve prevalecer a decisão impugnada. (Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, artigo por artigo, 2ª ed., Revista dos Tribunais, 2016, p. 1.470).