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O atraso que nos cabe

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Atualizado em 11 de setembro de 2017 11:33

O cenário atual se configura na velha máxima de que é
"preciso que tudo mude para que coisas continuem iguais
"

Parece-me que a escolha da sociedade brasileira em relação ao desenvolvimento dos fatos políticos recentes está definida: o parasitismo. Refiro-me aquilo que está englobado no "verbete" operação Lava Jato. Essa "operação" nada mais é do que o desentranhamento e exposição das tripas do Poder Político brasileiro, calcado na tomada do Estado por interesses exclusivamente privados, seja por meio da corrupção mais comezinha, seja pelo assalto dos cargos públicos pelos agentes políticos estacionados nas casas legislativas brasileiras.

Para aqueles que acreditaram que a Lava Jato se constituía em marco separador de uma nova era, o reconhecimento de que tudo acabará em parasitismo deve doer. Todavia, qualquer análise rigorosa dos fatos e processos recentes demonstram que a sociedade brasileira abandonou a Política na esperança de que afugentasse os (velhos) políticos. O que ocorre é que a saída brasileira requer Política com novos atores, ou seja, muita mobilização para transformar o sistema representativo em algo funcional, pronto a arquitetar políticas para o desenvolvimento integral do país. O oposto do parasitismo que vigora.

O que se observou nos últimos três ou quatro anos foi um grau reduzido de mobilização sócio-política, inclusa a mídia, sem que se produzisse nenhum resultado politicamente relevante e capaz de forjar nova dinâmica ao processo político. Dessa forma, caminhamos para um cenário eleitoral no qual as elites políticas olvidarão o que se passou no eixo Curitiba-Brasília-Rio de Janeiro e tocarão a vida em frente - de fato, para trás.

Por detrás da dissociação entre Poder e Política, vê-se todos os movimentos que indicam a manutenção do status quo.

A reforma eleitoral não é apenas o engodo formal praguejado em versos e trovas nas TVs e jornais. Trata-se de engenhoso plano para manter duas sociedades correndo em paralelo com intersecções ocasionais: a sociedade política formal e aquela que é economicamente real. O que se verifica nas negociações congressuais sobre a "reforma eleitoral" não é apenas a ganância dos principais artífices da política atual em se manter acostados no Estado, nas três instâncias funcionais do Poder. Quem assim lê os fatos, erra. Na realidade, o sistema político está se forjando para que as elites econômicas mais retrógradas possam continuar negociando seus interesses com grupos políticos bem definidos e não muito numerosos. Isso permitirá que o manejo do Estado em prol de certa fatia econômica possa ser feito em detrimento da Nação, no caso, "eu", "você", "nós". Somente a distorção do sistema representativo pode permitir essa manobra de larga escala.

Nesse contexto, há que se pensar nas tais reformas econômicas. Nesse tema cabe observar que o curso econômico anticapitalista e patrimonialista que se toma no momento reduz a tração do crescimento econômico o qual deve oscilar entre 0% e 1% em termos per capita (crescimento do PIB descontado do crescimento da população). Ora, não é necessário imaginar que, sem aumentar a poupança da finança pública, o país caminha para a insolvência estrutural do Estado - a relação dívida pública sobre o PIB se tornará insustentável. Daí é que nasce a imperiosa necessidade de que reformas sejam adotadas.

Ocorre que aqui há de se fazer a distinção entre as duas naturezas das reformas. No cenário do fracasso de um processo político realmente transformador, tais reformas imporiam aos patrimonialistas-clientelistas perdas substantivas, tais como, a menor taxação do consumo e maior taxação da renda, bem como, a correção do problema previdenciário que nada mais é do que a redução dos benefícios, digamos, de dois milhões de pessoas que estão "dentro do Estado" em favor dos milhões e milhões que estão "fora dele".

Na configuração que se projeta para 2018, ou seja, a continuidade do patrimonialismo-clientelismo histórico, as reformas devem ser maximizadas em termos de valores para, com efeito, manter a solvência do Estado, e, ao mesmo tempo, tem de ser minimizadas em termos de justiça distributiva. Assim, em termos tributários, isso significará mais tributação do consumo e menos da renda e, especificamente, na previdência social, a "transição" de regimes (público e privado) será mais lenta e gradual, bem ao estilo latino-americano. A própria privatização, tão louvada pelo mercado financeiro e de capital, ao invés de ser uma espécie de "política industrial" cujos objetivos estão mais relacionados com o aumento da produtividade, no cenário da "continuidade" que deve vir é apenas "um ajuste de caixa". A venda da Eletrobrás, por exemplo, está posta nesse contexto. Certamente, privatizá-la pode ser excelente ideia, mas tem-se de verificar para quê.

Como se pode constatar não há nada de muito esquemático na visão proposta nesse artigo, afinal de contas, trata-se apenas da constatação de que o cenário atual se configura na velha máxima de que é "preciso que tudo mude para que coisas continuem iguais". Vê-se, no momento, muita mobilização e pouca evolução política e institucional. Do Executivo ao Judiciário estamos em frangalhos, mas a consciência interna de nosso povo deseducado e de nossas elites patrimonialistas demonstram que seguimos à espera de mudanças que nos projetem em um cenário verdadeiramente capitalista. Até lá, seguiremos no atraso.