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O futuro é ruim

terça-feira, 27 de março de 2018

Atualizado em 26 de março de 2018 15:11

Estamos adentrando pelos salões de uma
crise institucional cada vez mais aberta

Estamos nos perdendo em trivialidades na análise do quadro político nacional às vésperas da eleição presidencial. Há certa especialização dos assuntos da agenda da política nacional como se esses fatos e atos, individualmente considerados, não estivessem amarrados como as pedras de um mosaico. Olhado de perto, o andamento da política parece "normal". Observado a distância o que se vê é uma crise institucional crônica.

A sociedade brasileira deve enfrentar a realidade nua e crua e, a partir desse encontro pragmático, é hora de se buscar ousadia.

Há, em verdade, excesso de juízos de valor sobre tudo. Conceitos como "Justiça social", "patriotismo", "eficiência econômica", "rigor fiscal e monetário", "superação da pobreza", etc. A apreciação dessa vasta temática tem sido praticada pela classe política como meio de separação ideológica entre os atores. Ocorre que, em verdade, a valoração de cada tema não passa pelo crivo da realidade factual. Assim, o que se chama de "Justiça social" não tem relação com políticas públicas, é apenas assistencialismo. "Patriotismo" é forma disfarçada de exclusão de minorias por uma maioria que não poderá discutir práticas, políticas e conceitos. "Eficiência econômica" não passa de verbete para manutenção do status quo de classes já bastante "eficientes" na obtenção de resultados econômicos. "Disciplina fiscal e monetária" impõe um imperativo científico que não encontra respaldo nem na realidade e nem na teoria econômica. Já a "superação da pobreza" passa ao largo da revisão mais profunda do papel do Estado na consecução de projetos de verdadeira superação.

Estamos diante de um quadro político que mistifica o debate. Não se debate ideias, mas clichês. Tudo ordinário.

As vísceras expostas da operação Lava Jato mostraram que essa mistificação era mais profunda do que se imaginava. Trata-se de mero joguete eleitoral, no qual os "juízos de valor" não tinham relação com o verdadeiro mundo das ideias. Os políticos veem a política como se fosse uma franquia instalada dentro do Estado. Indicações políticas serviam (e possivelmente ainda servem) a obtenção de inconfessáveis beneplácitos. A corrupção era (e possivelmente é) mera decorrência informal desse processo. A estrutura partidária e política está intacta e pronta a retomar o curso de seus negócios. Ou não está?

Não se pode, nesse contexto, fazer separação razoável entre candidatos e partidos políticos. Pragmaticamente estamos diante de um cenário de "mais do mesmo". Há, é claro, nuances de um em relação ao outro, mas o que é certo é que os valores ideológicos não se traduzem em verdadeiras ideias que modificarão a realidade.

Há que se notar que nenhum candidato está fazendo escolhas, ou seja, informando o que que vai fazer e o que não vai fazer, o que vai destruir e o que vai construir, o que vai começar e o que vai terminar. Afinal de contas, basta ter um pouquinho de cérebro para que se possa concluir que os programas dos candidatos simplesmente não cabem no orçamento. O governo não caberá no Estado quando chegar o novo presidente. Simples assim.

A eleição programada para outubro é verdadeira farsa do ponto de vista de modificação estrutural do Brasil, país mergulhado em profunda disfuncionalidade institucional. Apenas será cumprido o rito formal das eleições, pois afinal de contas não se pode aceitar a modificação da aparência formal do processo político. A realidade é essa e poucos estão dispostos a mostrá-la.

Em meio a tudo isso, temos o nosso cotidiano que vai mostrando o que somos. A violência se espalha em velocidade astronômica e as intervenções estatais demonstram toda a debilidade no combate às quadrilhas e bandos cada vez mais organizados. Os antigos "excluídos" estão sendo recrutados para a luta, dentro do crime. A solução que desponta é toda emergencial, sem que se possa registrar nada que indique que teremos algo vertebral a modificar essa realidade.

Ao mesmo tempo em que militares tentam impor a ordem intervencionista diante de cidades boquiabertas, vê-se o espetáculo dantesco do STF. Ali deveria ser a casa da responsabilidade, da maturação de saídas pacificadoras, da interpretação de fatos concretos com menos oportunismo político. Não há naquele palácio a reflexão desapaixonada e menos superficial. Mais compromisso com o Brasil e menos comprometimento com certos brasileiros. O Judiciário deve ser o Poder da serenidade, da observância mais neutra possível do fato concreto com os olhos no horizonte. O que se vê é açodamento, vaidades irrefreáveis e debate completamente encantado pelas víboras que convivem nas esplanadas do poder. Um toma lá dá cá estranhíssimo para usar palavra moderada.

A política tem face trágica, em verdade. Aqui no Brasil estamos brindando com a ruptura de uma ordem sem construirmos nada compensatório. Estamos adentrando pelos salões de uma crise institucional cada vez mais aberta. A tensão normal existente entre as esferas do poder está relacionada com interesses cada vez mais imediatos.

O Brasil não é mais um país de futuro, sejamos realistas. Estamos flertando abertamente com o passado, orientando-nos por intervalos temporais cada vez menores. Todo dia tem sido um novo e sofrido dia. Chega de tergiversações: o futuro chegou e este é muito ruim.