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Autonomia de Estados e municípios na Previdência Social - RE 1.007.271

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Atualizado em 27 de outubro de 2017 12:11

De acordo com o art. 24, XII da Constituição de 1988, compete à União, Estados e DF legislar concorrentemente sobre previdência social. Municípios, por sua vez, têm a prerrogativa de instituir regimes próprios com base nos arts. 30, I e 40 da Constituição. Sendo a matéria de competência concorrente, cabe à União estabelecer normas gerais, preservando a autonomia dos demais entes federados (art. 24, § 1º, CF/88).

Sobre tais questões, não há dúvida. A controvérsia é quanto ao grau, isto é, em que medida pode a União impor determinadas condutas e limites na organização e criação de regimes próprios de previdência para servidores públicos estaduais e municipais. Este é o objeto de análise do RE 1.007.271, de relatoria do ministro Edson Fachin, cuja repercussão geral foi recentemente reconhecida.

O federalismo brasileiro, como se sabe, é dotado de características próprias, oriundo de um país unitário, o qual, artificialmente, criou e atribuiu competências e prerrogativas a entes até então completamente subordinados ao poder central. Outros países formaram uma federação centrípeta, o que implica dizer que eram províncias soberanas ou de elevada autonomia que, após consenso, renunciaram à parte de suas prerrogativas e competências em prol de um poder central.

No caso brasileiro, há uma tendência de maior concentração de poder no governo Federal. Já no segundo, as províncias tendem a preservar maior parcela de competência. Aqui, ainda há o impacto do Welfare State, o qual, devido às elevadas atribuições na área protetiva, traz maior controle central, como forma de melhor distribuir esforços e uniformizar a cobertura da população. A federação brasileira, então, acaba por transmitir muitos poderes à União, tanto pela sua formação histórica como pelos objetivos abrangentes da Constituição de 1988.

Sem embargo, a tensão entre a autonomia local e a unidade nacional não poderá ser resolvida pela preponderância quase absoluta da segunda. É certo que maior ingerência federal nos RPPS é justificável, em parte, pela ascendência do interesse nacional na matéria, pois não há razão para parâmetros diferentes na concessão de aposentadorias, por exemplo. Todavia, limites são necessários.

Estados e municípios não são meras descentralizações administrativas, autarquias territoriais, na expressão de Renato Alessi, mas pessoas jurídicas dotadas de autonomia, nos termos da organização fixada pela Constituição. As ideias tradicionais sobre a organização estatal, no sentido da limitada atuação dos entes federados, devem ser reavaliadas dentro do novo regramento constitucional.

A Constituição de 1988 é extremamente dirigente em matéria previdenciária - incluindo os RPPS - e, aliada a uma forte regulamentação federal, pouco sobraria para os demais membros da federação brasileira. Se foi intenção do Poder Constituinte preservar e mesmo incentivar os regimes próprios de previdência, não faria sentido lógico ou jurídico impor restrições absolutas aos mesmos. Do contrário, seria melhor adotar, de uma vez, a unificação previdenciária no Brasil.

A regulamentação vigente deve ser interpretada em conformidade com a Constituição, o que impõe, de um lado, a redução teleológica de alguns dispositivos, como o art. 15 da lei 10.887/04, que somente poderia estabelecer determinado critério de correção à União e, por outro lado, a inconstitucionalidade de outros dispositivos, com o art. 5º da lei 9.717/98, o qual veda aos RPPS concessão de novos benefícios, mesmo com fundamento atuarial consistente.

Outros temas, como a emissão de certificados de regularização previdenciária, especialmente quando atuam como impeditivos a transferências federais voluntárias, podem impactar de forma severa na gestão local, estabelecendo um estrangulamento na autonomia local, com insatisfação da clientela protegida e comprometimento do pacto federativo estabelecido pela Constituição de 1988. A atuação federal, em suma, deve primar pela autocontenção e, nas hipóteses de dúvida, priorizar as autonomias locais.