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O conflito de competência nas operações de fusão e aquisição bancária: BACEN versus CADE

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Atualizado às 08:06

Vitor Frederico Kümpel e Ana Laura Pongeluppi

O desenvolvimento sustentável de um país está relacionado, dentre diversos fatores, ao seu sistema econômico1. Esse, por sua vez, é consolidado pelo Sistema Financeiro, cuja forma de regulação interfere em diferentes âmbitos da sociedade, desde o ramo de investimentos, externos e internos, bolsas de valores, captação de recursos, bancos financeiros e de varejo, atingindo ainda uma seara macroeconômica bancária, que reflete na estrutura socioeconômica da sociedade como um todo.

Natural que o Estado Democrático de Direito, com o escopo de promover políticas públicas, regule o Sistema Financeiro Nacional de maneira ordenada e adequada às suas políticas e objetivos, criando um cenário institucional específico ao setor bancário.

A inserção, no ordenamento jurídico, de normas que disciplinem a atuação de órgãos reguladores das operações de fusões e aquisições bancárias, bem como sua aplicação pelo Poder Judiciário, são fatores intrinsecamente ligados à consolidação do mercado financeiro e bancário, por consequência, a diversos setores da economia.

Mercado de valores, instituições financeiras, as captadoras de recursos, supervisionadas, empresas nacionais e estrangeiras, são apenas alguns dos agentes econômicos cuja intervenção na economia e, por consequência na sociedade, são influenciados e influenciam nas supracitadas operações.

Ademais, o que se verifica a partir da década de 1980 no Brasil é uma tendência à instrumentalização do Direito como forma de, por meio do ordenamento jurídico2, estabelecer normas que fomentam o desenvolvimento econômico e viabilizem operações.

Acresça-se, ainda, a atuação do Poder Judiciário, em um sistema constitucional com fulcro nos checks and balances3, assumindo mais do que a função de julgador (procedimentalismo)4, a legiferante por meio de decisões criadoras de regras jurídicas (substancialismo)5. Observe-se que não está a se falar que o Poder Judiciário usurpe função de outro poder, e sim que simplesmente está concretizando comandos constitucionais nas esferas sociais e econômicas.

Nesse contexto de terrae brasilis, não gera espanto o fato de que um dos grandes óbices aos investimentos no país é a insegurança jurídica em operações de fusões e aquisições bancárias.

Há diferentes fatores que levam a esse cenário de receio aos possíveis investidores, mas um dos principais é sem sombra de dúvida o conflito de competência entre as autarquias reguladoras das operações de aquisição bancária, o conhecido conflito BACEN-CADE.

Em nossa história, antes mesmo de a regulação da concorrência assumir a importância atual, ilustrada - por exemplo - na consolidação constitucional do artigo 192 da Carta Magna6, a chamada reforma monetária criou o Banco Central (BACEN) por meio da lei 4.595/64.

Suprimia-se a atuação dispersa de diferentes órgãos, centralizando no BACEN a regulação macroeconômica da política cambial e monetária, e microeconômica, objeto desse estudo, de efetivar a estabilidade do sistema financeiro.

Trocando em miúdos, ocorre basicamente o seguinte: o Banco Central do Brasil (BACEN), regulado pelas leis 4.965/64 e 9.447/97, dispõe ser competência de referido órgão fiscalizar atos de concentração.

Mas com a criação Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), disciplinado pela lei 12.529 de 2012, foi atribuída a análise das Merges and Aquisitions (M&A) a referido órgão. Eis que surge o problema: quando se tratar de fusão ou aquisição bancaria, quem deve fiscalizar?

Analisando detidamente os artigos 10 e 18 da lei 4.595/64, infere-se que a autorização das concentrações e a regulação da concorrência entre as instituições financeiras é competência privativa do BACEN.

Mas não há como rejeitar que, com o advento da nova Carta Magna e visando adequar ao capitalismo e neoliberalismo, há a demanda por outras agências reguladoras, como CADE por meio da lei 8.884/94, que complementa a política antitruste e concorrencial em consonância com as novas demandas do ramo.

Assim, a problemática está nos artigos 15 e 54 da lei 8.884/94, que estabeleceu de modo geral que todos os atos, de pessoas físicas ou jurídicas, tanto de direito público como privado, e que possam interferir nas condições de concorrência em um setor, devam passar pela apreciação do CADE.

Não tardou para que os primeiros conflitos positivos de competência entre a generalidade atribuída ao CADE e à específica norma destinada ao BACEN surgissem, conflito decorrente inclusive entre leis ordinárias e complementares (antinomia jurídica).

O caso do Banco Francês em 1996, o caso Finasa7 e o Parecer 20/2001 da AGU8, seguido de novas leis reguladoras, conflitos decididos pelo TRF, STJ e atualmente no STF9 demonstram a prioritária necessidade de se decidir efetivamente a questão ou regulamentar de modo a por fim ao conflito, delimitando a competência de cada instituição.

Pondere-se a possibilidade de o Judiciário resolver essa questão, decidindo de uma vez o Recurso Extraordinário 664.189, no qual o CADE se insurge contra o que foi decidido na esteira do parecer da AGU, basicamente que a competência é unicamente do BACEN de verificar esses atos de aquisição.

Em decidindo, trará segurança jurídica e dará um ponto final ao conflito - em parte - sem que seja necessário aguardar o legislativo. Seria, inclusive, uma decisão (leading case) com ressonância na ordem econômica do país, além da tremenda repercussão jurídica, pois, uniformizaria uma serie de decisões isoladas, desde os TRFs ao próprio STJ e STF, que, diante da dissonância têm trazido resultados ruins sob o viés econômico. Como dito acima, uma das principais ferramentas de fomento econômico para um país é a previsibilidade das decisões, na medida em que gera redução de custo para as empresas e para o mercado. Resta, por ora, aguardar, ressaltando que até o momento ministros do Supremo apenas se declararam suspeitos para a solução do caso em questão.

Dessa forma, remanesce o cenário de insegurança jurídica, morosidade diante da possibilidade das ágeis operações econômicas terem que passar pela morosa análise do poder judiciário, além do quadro geral de incerteza, tudo a corroborar para um cenário que passa por uma das principais crises econômicas do país e que por via oblíqua implica em supressão de desenvolvimento econômico.

Diante desse quadro, mais importante do que decidir em favor do BACEN ou em favor do CADE, e simplesmente decidir. Isso porque uma vez criado o vetor e estabilizado relações e vínculos jurídicos e, tendo o cenário econômico antevisão dos resultados futuros, certamente o mercado econômico se reorganizará e certamente fomentará aporte de capitais e novos investimentos, tão necessários pra sairmos desse quadro sombrio.

Sejam felizes!

__________

1 DAVIS, K. E., TREBILCOCK, M. J. The Relationship Between Law and Development: Optimists versus Skeptics. American Journal of Comparative Law, v. 56, n. 4, pp. 895-946, 2008

2 TRUBEK, David; GALANTER, Marc. Acadêmicos auto-alienados: Reflexões sobre a crise norte-americana da disciplina "Direito e Desenvolvimento".

3 Silva, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. Pp.

4 Kelsen, Hans. O Estado como Integração - Um confronto de princípios. Trad. de Plínio Fernandes Toledo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 65.

5 Kelsen, Hans. O Estado como Integração - Um confronto de princípios. Trad. de Plínio Fernandes Toledo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 110.

6 Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

7 Concorrência no mercado bancário: Incremento da competência do Cade pelo argumento reputacional.

8 AGU.

9 Recurso extraordinário 664.189 Distrito Federal.