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Breves comentários sobre a intervenção Federal no Rio de Janeiro

Se o banditismo daquele Estado do Rio continuar durante e após o término da intervenção estará comprovada a tese de que o decreto interventivo não visava de fato "pôr termo a grave comprometimento da ordem pública".

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Atualizado em 20 de fevereiro de 2018 16:27

A intervenção Federal decretada no estado do Rio de Janeiro é sui generis. O seu fundamento está no inciso III, do art. 34 da CF, ou seja, necessidade de "pôr termo a grave comprometimento da ordem pública".

Nos termos do decreto interventivo 9.288, de 16 de fevereiro de 2018, a intervenção limita-se à área de segurança pública do estado do Rio de Janeiro, conforme prescrição do § 1º, do art. 1º do decreto presidencial. Foi nomeado como interventor o general de Exército Walter de Souza Braga Neto tendo o referido cargo de interventor a natureza militar.

É certo que a Constituição permite especificar a amplitude, o prazo e as condições de execução da intervenção.

Porém, essa intervenção limitada à área de segurança pública delimitada no invocado Capítulo III, do Título V da Constituição, vale dizer, no art. 144 do Texto Magno, não terá a eficiência necessária, nem a esperada eficácia.

No caso, a divisão de poder político do estado do Rio figurando, de um lado, o governador com uma parcela maior desse poder, e de outro lado, o interventor federal com parcela menor desse mesmo poder, restrito ao setor de segurança pública poderá, em tese, gerar conflitos de atribuições. Não basta o decreto prescrever que o "interventor, no âmbito do estado do Rio de Janeiro, exercerá o controle operacional de todos os órgãos estaduais de segurança previstos no art. 144 da Constituição" (§ 5º, do art. 3º).

É que a segurança pública não é um órgão estatal isolado que possa desenvolver as suas atividades próprias, sem interação com os demais órgãos do estado.

Só para ilustrar, a administração dos presídios, por exemplo, é atribuição da pasta da Secretaria de Justiça. Ela não está incluída no rol de órgãos previstos no art. 144 da CF que versa sobre a segurança pública.

Exatamente porque o exercício das atribuições inerentes à segurança pública demanda recursos materiais e financeiros, o decreto de intervenção consignou que o interventor poderá requisitar "os recursos financeiros, tecnológicos, estruturais e humanos do estado do Rio de Janeiro afetos ao objeto e necessários à consecução do objetivo da intervenção" (§2º do art. 2º). É bom que se esclareça que o vocábulo "requisitar" significa solicitar com sentido de ordem emanada da autoridade competente.

Só por esse § 2º já se pode notar a dificuldade de natureza orçamentária, tendo em vista o princípio constitucional da legalidade das despesas. Se o orçamento anual do estado do Rio de Janeiro foi elaborado e aprovado de conformidade com as prioridades eleitas pelo governante, as verbas orçamentárias destinadas ao setor de segurança pública podem ser insuficientes à luz da nova estratégia de combate à criminalidade aventada pelo interventor federal. Poderá haver necessidade de remanejamento de verbas por meio de transposições e transferências de verbas de uma dotação para outra, abertura de crédito adicional suplementar ou especial. Tudo isso deve ser feito com rigorosa observância dos princípios orçamentários previstos na Constituição e das normas da Lei de Responsabilidade Fiscal.

A presença do governador do Rio no ato da assinatura do decreto de intervenção confere o caráter de um convênio entre o estado do Rio e a União para combater a criminalidade naquele estado. No mínimo aproxima-se da figura de uma "intervenção federal consensual" que não tem previsão constitucional.

Não é preciso ser um bom entendedor para saber que o convênio então existente entre o estado do Rio e a União no setor de segurança pública não produziu os resultados esperados por causa das ingerências do Governo do estado, sob pena de presumir a falta de capacidade operacional das Forças Armadas.

Ora, se isso for verdadeiro nada assegura que a presença das mesmas Forças Armadas, agora sob o rótulo de intervenção militar, irá restabelecer a ordem pública ferida. Se o restabelecimento dessa ordem pública não tem motivação na falta de capacidade operacional das Forças Armadas, o instrumento jurídico apropriado para o equacionamento dessa questão é aquele previsto na CF, ou seja, a intervenção federal com o afastamento do Governador. O interventor federal exerceria em sua plenitude as atribuições inerentes à Chefia do Poder Executivo.

Diante dessa singular intervenção federal surgiu uma corrente de pensamento sustentando que o fim visado pelo decreto interventivo é de natureza política. Objetiva suspender a votação da reforma previdenciária, provocando a incidência do § 1º do art. 60 da CF até que o governo consiga garantir o quorum necessário à sua aprovação. Obtido o quorum faltante, a intervenção seria suspensa.

Fortalece essa tese o fato de o senhor presidente da República ter anunciado um dia após ter assinado o decreto de intervenção a criação do Ministério da Segurança Pública que não se insere no âmbito de competência da União. Esse novo Ministério só contribuirá para aumentar as despesas do estado no momento em que o governo está empenhado em diminuir o rombo nas contas públicas.

Enfim, somente o futuro apontará a verdadeira causa da intervenção. Se o banditismo daquele Estado do Rio continuar durante e após o término da intervenção estará comprovada a tese de que o decreto interventivo não visava de fato "pôr termo a grave comprometimento da ordem pública".

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*Kiyoshi Harada é advogado do escritório Harada Advogados Associados.

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