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A aplicabilidade da tomada de decisão apoiada no direito brasileiro

Busca-se, aqui, refletir sobre alguns desdobramentos que o novo regime da Tomada de Decisão Apoiada poderá ensejar, salientando-se, ao que pese os questionamentos expostos, muito se avançou quanto aos direitos das pessoas com deficiência.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Atualizado em 26 de abril de 2018 11:16

A lei brasileira de inclusão - Lei 13.146/15, materializando no plano nacional a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPC), inovou ao incluir no direito civil brasileiro um novo gênero de medida protetiva, qual seja a Tomada de Decisão Apoiada (TDA). Assim que, segundo o artigo 1.783-A do Código Civil, o portador de deficiência poderá eleger duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio para a prática de determinados atos.

Ainda que se faça necessário o ajuizamento de processo judicial, será de jurisdição voluntária, uma vez que o próprio apoiado indicará seus apoiadores, os quais firmarão termo com indicação dos limites e compromissos assumidos, bem como prazo de vigência da TDA e o respeito à vontade da pessoa com deficiência. Salienta-se, aliás, que esta manterá plenamente sua capacidade civil, já que, segundo a nova concepção de incapacidade, implementada no ordenamento brasileiro pela Lei 13.146/15, a capacidade somente será relativizada em casos extremos, para os quais indicar-se-á a curatela "personalizada" e restrita às questões patrimoniais e negociais.

A legislação não diferencia as diversas espécies de deficiências, ao passo que a casuística, especialmente por meio de avaliação multidisciplinar, é que embasará a decisão judicial quanto ao discernimento necessário da pessoa apoiada na indicação de seus apoiadores, bem como do auxílio que se fará necessário. Parece que casos de deficiências físico-motoras, onde a pessoa possui pleno conhecimento de suas dificuldades e vontades, restará perfeitamente possível a utilização da Tomada de Decisão Apoiada. No que diz respeito às deficiências de ordem mental e psíquica, parece temerário, a priori, indicar a TDA como o meio protetivo mais adequado, de modo que, nestes casos, a avaliação judicial deverá, precipuamente, indicar o grau de discernimento da pessoa a ser apoiada.

Por tratar-se de regime novo no ordenamento jurídico brasileiro, a jurisprudência ainda é bastante escassa, o que torna precoce uma possível avaliação dos critérios a serem efetivamente considerados na adoção do instituto. Outrossim, algumas questões têm suscitado questionamentos por parte da doutrina.

Considerando as exigências legais para que seja adotado o regime da Tomada de Decisão Apoiada, dentre os quais, um processo judicial, com participação do Ministério Público, entrevista da pessoa apoiada, avaliação de equipe multidisciplinar, dentre outras, cumpre indagar-se se não será de pouco uso o instituto. Para uma pessoa que possui plena capacidade e autonomia para decidir sobre o que lhe é mais relevante, e, sabedora dos custos e morosidade de um processo judicial, não seria mais conveniente recorrer a um mandato ou instrumentos semelhantes quando entender necessário?

De outra parte, o artigo 1783-A do Código Civil, o qual foi incluído pelo artigo 116 da Lei 13.146/15, abarca as pessoas portadoras de deficiência como possíveis beneficiárias do apoio, por meio do processo de TDA. Entretanto, analisando-se uma possível utilidade social da referida norma, porque não estendê-la a pessoas que se encontrem em situação de vulnerabilidade, ainda que não se enquadrem no conceito de deficiência? Os idosos, que não estejam acometidos de qualquer patologia que suprima seu discernimento, mas que logicamente, pelo desgaste natural da saúde e disposição para praticar alguns atos, poderiam perfeitamente usufruir da TDA.

Busca-se, aqui, refletir sobre alguns desdobramentos que o novo regime da Tomada de Decisão Apoiada poderá ensejar, salientando-se, ao que pese os questionamentos expostos, muito se avançou quanto aos direitos das pessoas com deficiência. Desde a Convenção da ONU e, internamente, com a Lei de Inclusão, tem-se evidenciado uma grande mudança de paradigmas quanto ao que se considera capacidade civil. Um verdadeiro caminho sem volta, de modo que, inobstante as dificuldades de implementação de preceitos da lei, o primordial será sempre a dignidade da pessoa humana, seja ela deficiente ou não, bem como a necessidade de inclusão social, autonomia e tratamento igualitário a todos.

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*Andressa Tonetto Fontana é advogada especializada em Direito de Família e Sucessões.

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