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STF

Gilmar vota por proibir condução coercitiva para interrogatório

Método já está suspenso por liminar do ministro.

Da Redação

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Atualizado às 18:29

O plenário do STF iniciou, nesta quinta-feira, 7, o julgamento das ADPFs 395 e 444, as quais pedem a proibição do uso de conduções coercitivas de investigados com finalidade de obter depoimento.

A prática já está suspensa por liminares do relator das ações, ministro Gilmar. Nesta quinta-fera, o ministro foi o único a votar, julgando procedentes os pedidos. Após longo voto do ministro, o julgamento foi suspenso e deverá ser retomado na próxima quarta-feira.

As ações foram ajuizadas pelo PT e pelo Conselho Federal da OAB para proibir a realização da prática. As ADPFs têm por objeto o artigo 260 do CPP e a prática judicial de determinar a condução coercitiva de imputados para depoimento. O dispositivo legal, anterior à CF/88, prevê que se "o acusado não atender à intimação para o interrogatório, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença".

A Ordem sustenta que o direito à não autoincriminação é direito fundamental, que dimana da dignidade da pessoa humana, e que o dispositivo impugnado não foi recepcionado pela CF, por incompatibilidade com o direito de não se autoincriminar.

Em dezembro, Gilmar deferiu liminar vedando a condução coercitiva para interrogatório. Ao votar nesta quinta, o posicionamento foi mantido.

Para o relator, a condução coercitiva para interrogatório é inconstitucional, porque representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade ao obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer.

Excessos

Gilmar preencheu boa parte de seu voto criticando a exposição de investigados, a abordagem da mídia e o vazamento de informações sigilosas. "As conduções coercitivas são um novo capítulo da espetacularização da investigação, a qual ganhou força no nosso país no início deste século."

Como exemplo de excessos por parte de investigadores, Gilmar citou o caso do reitor da UFSC, que cometeu suicídio após ser preso preventivamente pela PF, suspeito de desvio de recursos. Sobre a exposição de investigados, Gilmar destacou que pode causar uma "marca indelével".

Em aparte, Toffoli observou que, nos deferimentos de sua autoria em ações penais ou inquéritos, determina a vedação, às autoridades, agentes da PF e MPF, de darem entrevistas ou fazerem quaisquer manifestações orais e escritas sobre o ato, e que os mandados devem ser executados "com todas as cautelas necessárias à preservação da dignidade dos envolvidos". "É assim que deve ser."

Gilmar Mendes também deu como exemplo a operação Carne Fraca. Concebida e divulgada como a maior operação da PF, disse, "resultou talvez no mais histórico vexame de que se tem notícia". "Nós temos que gravar o nome dessas pessoas, do juiz que autorizou, do delegado que dirigiu, do MP que atuou, para saber que eles eram claramente ineptos. Mais do que ineptos, irresponsáveis. Não sabiam do que estava se tratando." O ministro destacou que a divulgação dos fatos investigados precisa ser regulamentada com urgência, se não por lei, ao menos por ato normativo do CNJ.

Voto do relator

Tratando especificamente sobre as conduções coercitivas, diversos aspectos foram apontados pelo ministro sobre se a condução coercitiva atinge direitos fundamentais do conduzido. Ele avaliou que, ao menos, é inequívoca a restrição aos direitos à liberdade de locomoção e a presunção de não culpabilidade. Apontou, por sua vez, que outros direitos podem ser atingidos, como afronta à ideia da não auto-incriminação, e repercussão sobre o direito de defesa.

"A restrição temporária da liberdade mediante condução sob custódia por forças policiais em vias públicas não é tratamento que normalmente possa ser aplicado a pessoas inocentes. O conduzido é claramente tratado como culpado."

O ministro destacou ainda o direito ao silêncio, consagrado em tratados de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de San José, e o direito da parte de não produzir prova contra si mesma, consagrado no CPP - os quais podem também ser atingidos pela prática.

Por fim, falou que o "elemento surpresa" - como por exemplo alguém ser apanhado às 6h da manhã em sua casa para prestar depoimento - leva faticamente à supressão, ou até impossibilidade, de se ter ao lado um advogado.

De acordo com o direito processual em vigor, a ausência ao interrogatório é uma prerrogativa do acusado, em função da qual sua condução coercitiva para o ato viola direitos fundamentais, concluiu o relator. "Em consequência, o pedido merece acolhida."

O ministro votou por não conhecer do agravo interposto pela PGR contra a liminar, e julgar procedentes os pedidos nas ADPFs 395 e 344 para pronunciar a não recepção da expressão "para o interrogatório", constante do artigo 260 do CPP, e declarar a incompatibilidade com a CF da condução coercitiva de investigados ou de réus para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e da ilicitude das provas obtidas sem prejuízo da responsabilidade civil do estado.

Sem modulação

Gilmar destacou que a decisão não tem o condão de desconstituir interrogatórios realizados até o julgamento, mesmo que o interrogado tenha sido coercitivamente conduzido para o ato. Isto porque ele estaria reconhecendo a inadequação do tratamento dado ao imputado, e não do interrogatório em si. "Argumentos internos ao processo, como a violação ao direito ao silencio, estão sendo refutadas inicialmente."

"Não vejo necessidade de debater qualquer relação dessa decisão com os casos pretéritos, inexistindo espaço para a modulação dos efeitos da decisão."

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