COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. ABC do CDC >
  4. Carne, verdade, informação e outras "vítimas"

Carne, verdade, informação e outras "vítimas"

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Atualizado às 08:12

Ésquilo, o famoso dramaturgo da Grécia antiga, disse que "na guerra, a verdade é a primeira vítima".

Adaptando a frase para a sociedade de consumo, podemos dizer que em matéria de comunicação, quando surge um problema, a informação verdadeira é a primeira, a segunda e todas as demais vítimas. Adaptando melhor ainda, podemos ver que, de fato, a vítima é o consumidor, que não só não sabe bem o que está acontecendo como fica confuso sobre o que fazer, como agir, etc.

Peguemos o setor aéreo (que, ao contrário do que pretende a ANAC, não precisa de proteção, pois sabe muito bem o que quer e como fazer). Basta surgir um atraso, para que a desinformação grasse no aeroporto ou, simplesmente, não seja fornecida. Claro que, se surgir um pane aérea em pleno voo e o piloto tiver que fazer um pouso não programado, nem sempre vale a pena contar tudo para os passageiros. Mas, neste caso, a situação de segurança assim o exige. Já em solo, para atraso e cancelamentos, não há qualquer motivo para não se contar a verdade. Não é incomum, aliás, atrasos propositais para cancelamento de voos com poucos passageiros e seu agrupamento em outro voo da mesma companhia aérea em outro horário. Aqui, naturalmente, a verdade já morreu.

Vejamos agora a questão da carne, recentemente tornada um escândalo de proporções mundiais a partir do Brasil. O dr. Drauzio Varella assim escreveu:

"'Doutor, o senhor viu que esses caras colocam papelão e ácido ascórbico na salsicha', disse o taxista que me trouxe de Cumbica.

Há quatro dias, fora do país, eu estava a par do teor das declarações feitas por um delegado da Polícia Federal, mas desconhecia as repercussões populares da denúncia.

Consegui explicar que o ácido ascórbico não era uma substância corrosiva, mas a prosaica vitamina C. Quanto ao papelão nos embutidos, minha descrença não foi suficiente para convencê-lo".

E, realmente, um alarme por se ter falado que havia vitamina C nas carnes? E quanto ao papelão?

Circula pela internet um vídeo que mostra um consumidor abrindo um embutido de carne e dentro dele encontra uma embalagem do próprio produto triturado junto. Trata-se de um produto de uma grande indústria. Pergunto, isso pode acontecer? Poder, pode, mas em produções industriais desse nível a hipótese é de falha rara e excepcional do maquinário ou sabotagem (às vezes de algum empregado). É evidente que o produtor jamais faria algo assim de propósito. É vício típico do produto feito em escala industrial, massificado e reproduzido na série. Não é à toa que o Código de Defesa do Consumidor diz que, nesses casos, a responsabilidade do fabricante é objetiva.

Quanto à verdade da informação sobre o risco à saúde, retorno ao artigo do dr. Drauzio Varella. Diz ele: "No caso da carne, a queda imediata nas vendas aconteceu sem que ninguém se dignasse a fazer a pergunta mais elementar numa situação como essa:

'Alguém ficou doente?' 'Alguém engasgou com o papelão ou teve o esôfago corroído pelo ácido ascórbico?''

Se uma pessoa ao menos tivesse se intoxicado ou perdido a vida, a Polícia Federal teria mantido em sigilo a investigação por dois anos, sem agir para evitar outras vítimas?"2

Paradoxalmente, numa época em que a informação brota de forma viral por todos os poros da comunicação (mais digital que analógica), está difícil identificar a informação que é verdadeira. E o consumidor, ressabiado, muitas vezes fica paralisado esperando o tempo passar e sem saber o que fazer.

__________ 

1 Carne enfraquecida.

2 Mesmo local.