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O aborto autorizado pelo médico

quarta-feira, 14 de março de 2012

Atualizado às 08:15

Conforme noticiado pela imprensa, em especial por Migalhas (clique aqui), a comissão do Senado Federal apresentou, recentemente, proposta que inclui alteração do art. 128 do Código Penal para excluir o crime de aborto nas seguintes situações: a) se houver risco à vida ou à saúde da gestante; b) se a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; c) se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em ambos os casos atestado por dois médicos; d) por vontade da gestante até a 12a. semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.

Atualmente, não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante (aborto necessário) ou se a gravidez resulta de estupro (art. 128 do CP).

A modificação proposta assusta.

Não se pretende aqui polemizar sobre assunto da mais alta complexidade, em torno da permissividade ou não do aborto em todas as hipóteses referidas na proposta legislativa.

Porém, é preocupante a tendência explicitada na proposta, de permitir o aborto por simples vontade da gestante, até a décima segunda semana de gestação, se o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.

Apesar de extremamente tormentoso o tema relativo às demais hipóteses de aborto contidas na proposta, a justificativa ínsita a elas é, de uma forma ou de outra, também a proteção da vida. A gestante que corre risco de morrer pode interromper a gravidez porque os bens jurídicos contrapostos são, de um lado a sua vida e, de outro lado, a vida do feto. Entre uma e outra, prefere-se a vida preexistente. Nesse sentido, a opção legislativa é justificável.

O mesmo raciocínio, embora com menos solidez, pode ser utilizado para outras hipóteses de aborto contempladas, vigentes ou não. Se a mulher estuprada fosse obrigada a suportar e assumir a maternidade de uma criança fruto da violência, muito provavelmente arruinaria a própria vida, porque viveria diuturnamente com o fantasma da agressão. Da mesma forma, a anencefalia que culmina com a morte do filho.

Porém, permitir o aborto por vontade da gestante é violência que o direito brasileiro não pode admitir. O art. 5o., caput, da CF, assegura inequivocamente a inviolabilidade do direito à vida.

O criminoso, por mais bárbaro que seja o crime por ele cometido, não merece a morte, segundo a legislação brasileira. Por muito maior razão deve ser com o embrião, com o nascituro, sempre inocente. A vida não é um bem disponível, nem mesmo pelo próprio titular. Não fosse assim, o suicídio seria legítimo. E não é.

Os fatos sociais graves que servem para justificar a ampliação dos casos de aborto não podem se sobrepor ao direito à vida. A seguir nesse rumo, em pouco tempo, o principal alicerce da CF, a dignidade da pessoa, entrará em colapso. Em vez de o poder público atuar na causa do problema, pretende agir na consequência, com a modificação alvitrada.

A vida começa da fecundação do óvulo pelo espermatozóide. O feto é, portanto, um ser humano como outro qualquer. Aliás, é mais puro do que os já nascidos. Admitir o assassinato de nascituros representa permissividade injustificável, como se a sua vida tivesse menos valor pelo fato de os demais mortais ainda não terem experimentado contato visual com o feto. O raciocínio parece ser aquele segundo o qual o que os olhos não veem, o coração não sente - ou sente menos.

Esse é, a propósito, o tratamento dado pela legislação brasileira, que atribui pena mais leve para o aborto do que para o homicídio doloso, embora em ambos os casos a violência seja cometida contra o mesmo bem jurídico, a vida. E o aborto é cometido contra pessoa inocente e indefesa. Deveria, por essa razão, ser considerado crime mais grave. É o que Maria Helena Diniz, invocando lição de Karl Engisch, denomina de antinomia valorativa.

De acordo com a proposta sob comento, não basta a vontade da gestante. É necessário que a gestação não tenha ultrapassado a décima segunda semana e, além disso, que um médico ateste que a gestante não tem condições psicológicas de arcar com a maternidade. Isso mesmo, um médico.

Os médicos entraram numa tremenda fria. Em sua maioria, não têm formação para a missão que lhes querem incumbir. No mínimo, o projeto deveria fazer constar a expressão "médicos psiquiatras" em vez de somente "médicos". Imaginem o médico que não consegue reconhecer um possível surto momentâneo de sua paciente e autoriza o aborto. Depois é questionado por ela, que manifesta o arrependimento quanto à sua decisão anterior, tomada fora de seu juízo normal. Há responsabilidade civil do médico que errou o diagnóstico? E penal, já que seu erro permitiu o aborto indevido?

Identificar se uma mulher tem ou não condições psicológicas de "arcar" com a maternidade é tarefa extraordinariamente subjetiva. E querem legalizar a questão assim: a vida pode ser interrompida ou não conforme a análise subjetiva do médico, fundada na vontade da gestante.

A sociedade civil não pode aceitar isso.