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A Constituição e as minorias

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Atualizado em 17 de janeiro de 2019 15:53

Felipe Costa Rodrigues Neves e Marcos Mitidieri

Há no consciente coletivo de parte da população brasileira a ideia de que democracia significa a prevalência da vontade da maioria. Enquanto esta manda, a minoria se submete. Mas não é assim que, há mais de 200 anos, as democracias constitucionais têm sido caracterizadas.

Definem-se como um regime político que permite à maioria realizar uma série de coisas, mas não tudo. As minorias - sejam de opinião (os divergentes) ou de identidade (os diferentes) - têm a garantia de não serem eliminadas, perseguidas ou terem suas liberdades cassadas. Os limites que evitam uma tirania da maioria estão expressos em regras permanentes, constitucionais. São preceitos que, na realidade, protegem toda a sociedade e evitam intermitentes revanchismos, até porque - especialmente para questões de opinião - quem é maioria hoje pode vir a ser minoria amanhã, e vice-versa.

Ao Poder Judiciário, especialmente às Cortes Constitucionais (caso do Supremo Tribunal Federal), cabe a importante tarefa de garantir que aqueles limites sejam observados, invalidando ímpetos majoritários que ameacem liberdades individuais de parcela da população. Não é à toa que essa função jurisdicional é chamada, no Direito, de contramajoritária, e ela é exercida por autoridades não-eleitas pelo povo.

Nesse sentido, a Constituição de 1988 atribuiu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a palavra final a respeito da constitucionalidade de leis aprovadas pelo Legislativo e sancionadas pelo chefe do Poder Executivo. Ainda que sejam representação da vontade popular (pois tomada pelos eleitos pelo povo), as leis, para terem sua validade preservada pelo STF, precisam observar os mandamentos previstos na Constituição.

Além disso, a Carta de 1988, visando preservar o regime democrático de maiorias autoritárias de ocasião, possui limites materiais à alteração de seu próprio texto. Trata-se das denominadas cláusulas pétreas, previstas no § 4º de seu artigo 60, que impedem a deliberação de propostas de emenda à Constituição (PEC) que se destinem a abolir: (i) a forma federativa de Estado; (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) a separação dos Poderes; ou (iv) os direitos e garantias individuais.

Dentre essas quatro temáticas, é a última que representa especial proteção às minorias. Os direitos e garantias individuais têm tratamento específico no extenso artigo 5º da Constituição, que dispõe sobre a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Isso significa que todo e qualquer brasileiro, sem distinção, tem assegurada a irredutibilidade dos direitos ali previstos. Como exemplo, cite-se que os professantes de religiões não-tradicionais ou os militantes de orientações políticas impopulares jamais poderão ser proibidos de exercerem tais atividades (cf. inc. IV e VI do art. 5º), ainda que outro seja o desejo da expressiva maioria dos representantes do povo (três quintos dos deputados federais e dos senadores, em dois turnos, é o quórum de aprovação de PEC).

O regime democrático inaugurado com a Constituição de 1988 é, em perspectiva histórica, realidade recente no Brasil. Aos poucos, a sociedade tem aprendido a lhe dar sentido e a se apropriar de seus conceitos e valores. A proteção das minorias, face a eventuais maiorias tiranas, é característica comum a todas as democracias consolidadas do mundo, onde vigoram a pluralidade de opiniões e a diversidade de identidades. Tal característica está fortemente presente na Constituição do Brasil, por meio de salvaguardas como as anteriormente referidas. Em tempos de alta polarização da sociedade, nunca é demais fazer uma breve digressão aos preceitos estabelecidos em 1988 em favor da paz social.