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Comprovação de feriado local no ato de interposição do recurso

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Atualizado às 08:00

André Pagani de Souza

O parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 estabelece que "antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado o vício ou complementada a documentação exigível".

Tal dispositivo mereceu aplausos da doutrina, conforme se pode verificar da lição de Cassio Scarpinella Bueno: "Merece destaque o parágrafo único do art. 932, segundo o qual é generalizado (corretamente) o dever de o relator criar oportunidade de o recorrente sanar vício, aprimorando, com a iniciativa, a regra que, no CPC de 1973, estava no art. 515, § 4º. Entendimentos radicais (e que já eram equivocados, mesmo à luz do CPC de 1973) como a Súmula 115 do STJ, que não permite a emenda ou correção de atos processuais no âmbito dos Tribunais, não devem subsistir no CPC de 2015. A previsão harmoniza-se com o 'dever-poder-geral de saneamento' previsto no art. 139, IX, e que encontra eco em diversos outros dispositivos do CPC de 2015, inclusive no § 1º do art. 938, que trata da dinâmica do julgamento colegiado" (Novo código de processo civil anotado, 3ª edição, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 845).

Também empolgados com o teor do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015, estudiosos do direito processual civil, reunidos no Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), formularam o enunciado interpretativo n. 551, cujo teor é o seguinte: "Cabe ao relator, antes de não conhecer do recurso por intempestividade, conceder o prazo de cinco dias úteis para que o recorrente prove qualquer causa de prorrogação, suspensão ou interrupção do prazo recursal a justificar a tempestividade do recurso".

Pois bem, não é assim que o Superior Tribunal de Justiça tem interpretado o CPC/2015, como se pode perceber da leitura da ementa de recente julgado abaixo transcrita:

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE RECURSAL. COMPROVAÇÃO DE FERIADO LOCAL (SEGUNDA-FEIRA DE CARNAVAL E QUARTA-FEIRA DE CINZAS) APÓS A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. IMPOSSIBILIDADE, NOS TERMOS DO ART. 1.003, § 6º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PRECEDENTES. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 932 DO NCPC. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

1. Nos termos do art. 1.003, § 6º, do CPC/2015, a ocorrência de feriado local deverá ser comprovada, mediante documento idôneo, no ato da interposição do recurso. Assim, inaplicável à hipótese o entendimento firmado por esta Corte, ainda sob a ótica do regramento processual previsto no Código de Processo Civil de 1973, no sentido de admitir a comprovação, em agravo interno, da ocorrência de feriado local ou suspensão do expediente forense no Tribunal de origem, como pretende o agravante.

2. De fato, 'a intempestividade é tida pelo Código atual como vício grave e, portanto, insanável. Daí porque não se aplica à espécie o disposto no parágrafo único do art. 932 do CPC/15, reservado às hipóteses de vícios sanáveis' (AgInt no AREsp 957.821/MS, Rel. Ministro Raul Araújo, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 20/11/2017, DJe 19/12/2017).

3. Na contagem dos prazos dos recursos endereçados ao Superior Tribunal de Justiça cuja interposição deva ser realizada nos Tribunais estaduais, excluem-se os dias referentes à segunda-feira de carnaval e à quarta-feira de cinzas, que não são feriados nacionais, desde que o recorrente comprove, no ato de interposição, que em tais datas não houve expediente forense no Poder Judiciário estadual.

4. Agravo interno improvido.

(AgInt no AREsp 1255609/AL, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 19/06/2018)"

Tal interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça no julgado acima referido está alinhada com o comando do § 6º do art. 1.003 do CPC/2015, que dispõe expressamente que "o recorrente comprovará a ocorrência e feriado local no ato de interposição do recurso".

Trata-se, portanto, de regra específica (a do § 6º do art. 1.003 do CPC/2015) que prevalece sobre a regra geral (a do parágrafo único do art. 992 do CPC/2015), no que diz respeito à inadmissibilidade de recursos.

Por isso, é preciso tomar cautela no ato de interposição dos recursos especiais e dos recursos extraordinários a fim de se verificar se eventual feriado que aconteça no curso do prazo para sua interposição é previsto em lei federal. Se não o for, trata-se de feriado local e por isso deve ser comprovada a sua existência no ato de interposição, nos termos do § 6º do art. 1.003 do CPC/2015. Ou seja, nesse último caso, deve-se apresentar cópia da lei ou ato normativo local que criou o respectivo feriado, sendo insuficiente a mera alegação de que se trata de feriado. Se o recurso for protocolado sem a comprovação de que houve feriado local ou ausência de expediente forense, ele não deve ser conhecido por intempestividade à luz do entendimento atualmente apresentado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Em cumprimento de sentença, foi proferida decisão que resolveu a impugnação apresentada pelo executado declarando a inexistência de crédito em favor do exequente. Dessa decisão foi interposto recurso de apelação pelo exequente, pois ele entendeu que houve a extinção da fase de cumprimento de sentença e, consequentemente, do processo como um todo.

Entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) entendeu que o recurso cabível era o de agravo de instrumento e julgou manifestamente inadmissível a apelação, negando seguimento ao apelo do exequente. O acórdão do TJMG foi proferido após o recorrente interpor embargos de declaração da decisão monocrática que havia negado seguimento ao recuso e, depois, agravo interno da decisão monocrática que manteve a negativa de seguimento da apelação. Eis a ementa do acórdão:

"EMENTA: AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL - DECISÃO PROLATADA EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - RECURSO CABÍVEL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ART.1.015,§ ÚNICO, DO NOVO CPC. O agravo de instrumento é o recurso cabível contra a decisão proferida em sede de cumprimento de sentença. (AGRAVO INTERNO CV Nº 1.0024.11.166819-0/007 - COMARCA DE BELO HORIZONTE, 14ª Câmara Cível, rel. Des. Marco Aurélio Ferenzini, negaram provimento ao recurso, v. u., j. 02.02.2017, DJe 10.10.2017)"

O fundamento dado pelo acórdão acima referido para não admitir o recuso foi o seguinte: "(...) Assim, nos termos do art. 1.015, do novo CPC, o recurso contra decisões proferidas na fase de cumprimento de sentença é o agravo de instrumento (...)".

Com efeito, o art. 1.015, parágrafo único, do CPC/2015, estabelece que "também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário".

Ocorre que a decisão acima mencionada não levou em consideração o disposto no § 1º do art. 203 do CPC/2015 que dispõe: "Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução" (grifos nossos).

A parte final do § 1º do art. 203 do CPC/2015 deixa claro que a decisão que extingue a execução é uma sentença. No caso sob análise, ao se reconhecer que não há crédito em favor do exequente na fase de cumprimento de sentença, não se pode negar foi extinta a execução fundada em título judicial. Ora, se a decisão é sentença, o caput do art. 1.009 do CPC/2015 prescreve que "da sentença cabe apelação".

Cumpre mencionar que o exequente nesse caso concreto interpôs Recurso Especial do acórdão do TJMG e que tal recurso foi julgado em 22.05.2018 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em acórdão da 4ª Turma, cujo relator foi o ministro Luís Felipe Salomão, conforme foi noticiado no dia 12.06.2018 pelo referido Tribunal Superior (RESP n. 1.698.344/MG)1.

Como era de se esperar, o Recuso Especial em questão foi conhecido e provido, por unanimidade, pela 4ª Turma do STJ. Tal acórdão ainda não foi publicado, mas a notícia dada pelo Tribunal Superior a respeito do julgamento é a seguinte:

"(...) De acordo com o relator, caberá apelação se a decisão proferida no cumprimento de sentença extinguir o processo ou uma fase processual, e caberá o agravo de instrumento nos demais casos.

Para as situações em que as decisões proferidas no cumprimento de sentença acolham parcialmente a impugnação ou a julguem improcedente, o ministro explicou que o recurso cabível é o agravo, visto que tais decisões não extinguem totalmente o processo.

'No caso dos autos, a decisão que resolveu a impugnação, acolhendo-a e homologando os cálculos apresentados pelo executado, a meu ver, extinguiu o cumprimento da sentença, uma vez que declarou a inexistência de crédito em favor do exequente (havendo, em verdade, saldo devedor em seu desfavor)', disse Salomão (...)2.

Em razão do exposto, é importante sintetizar a posição adotada pelo STJ, para todos os que precisam interpretar e aplicar o "CPC na Prática":

- se a decisão proferida no cumprimento de sentença extinguir o processo ou uma fase processual, caberá recurso de apelação;

- se a decisão proferida no cumprimento de sentença acolher apenas parcialmente a impugnação caberá agravo de instrumento;

- se a decisão proferida julgar improcedente a impugnação, caberá agravo de instrumento.

Nos dois últimos casos, a solução acerca do recurso cabível não poderia ser outra, pois com a improcedência da impugnação ou com o seu acolhimento parcial, o que acontecerá será que a fase de cumprimento de sentença continuará seu curso adiante e não haverá extinção do processo ou fase recursal.

___________

2 Idem.