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Inércia política, letargia econômica

terça-feira, 12 de maio de 2015

Atualizado em 11 de maio de 2015 16:50

A crise política brasileira está impondo ao Brasil um custo muito superior àquele que deveria ser incorrido para a correção dos problemas do país. Não se deve minimizar aquilo que perturba a boa gestão econômica, sobretudo a inflação, o elevado déficit externo e a situação fiscal negativa. Note-se que todos estes problemas são superáveis em período relativamente curto (dois anos). Além do mais, estes foram criados por força de erros primários de gestão econômica durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, conforme já analisamos em artigos anteriores neste espaço.

Ocorre que o jogo político atual é altamente perverso e obscurece o horizonte de múltiplas e positivas possibilidades do Brasil. As denúncias das graves e impressionantes atividades de corrupção são parte de enraizada cultura, da estrutura do sistema político nacional e dos planos deliberados dos partidos políticos que sustentam as administrações desde 2003. Note-se que a confusão entre o público e privado é marca antropológica da formação do país e fonte sempre presente da corrupção generalizada no âmbito do Poder Público. Neste sentido, o que ora se registra não é, na essência, novidade. Apenas é algo que se tornou ainda mais público. Novos escândalos (CARF, setor elétrico, BNDES, etc.) podem surgir ou se agravar.

A conjuntura internacional tem melhorado substancialmente e os riscos de crises sistêmicas foram afastados nos países centrais do capitalismo. Nos EUA, a demanda persiste crescente e o debate se concentra na administração da política monetária que deve restituir taxas de juros positivas (e possivelmente nem tão elevadas) nos próximos três anos. O Federal Reserve, o banco central dos EUA, debate e elabora cuidadosa estratégia para iniciar o processo de elevação da taxa básica de juros, o que deve ocorrer neste segundo semestre de 2015. Vale ressaltar que erraram, mais de uma vez, os analistas ao tratar do tema, pois imaginaram que esta elevação se iniciasse no primeiro trimestre do ano passado. Até agora, o PIB dos EUA cresce ao redor de 3,5% ao ano e os sinais de inflação são bem moderados, seja pela elevação nula dos salários reais, seja pela grandiosa redução dos custos energéticos, em especial o petróleo. Na Europa, finalmente a União Europeia descobriu o valor das políticas monetárias anticíclicas adotadas com sucesso nos EUA e passou a adotar políticas de resgates de ativos financeiros dos países da zona do euro. Os países da Europa meridional mais a Irlanda permanecem com taxas de desemprego imorais, mas há luz no fim do túnel. A renegociação da dívida grega neste mês será o sinal de que o BCE e a EU hão de ser mais ponderados em prol de uma demanda mais forte. Veremos.

A China permanece com a atividade extremamente positiva, mesmo que levemente cadente, sendo que as reformas econômicas e financeiras do país serão decisivas para determinar o futuro mediato da segunda maior economia mundial. O país passou a ser exportador relevante de capital, inclusive para a América Latina, onde as empresas chinesas passaram a comprar ativos com grande envergadura.

O Brasil, neste contexto, escolhe um caminho perverso e negativo. Desrespeitamos as nossas próprias possibilidades e potenciais. A presidente da República, em início de segundo mandato, foge de suas responsabilidades e se esconde por detrás das mazelas de seu primeiro mandato. Os custos de sua timidez são grandes, pois a sociedade, em geral, e os agentes econômicos, em especial, avaliam que passaremos os próximos três anos e meio na mesma toada. A impopularidade presidencial não pode ser razão para a inércia de Dilma Rousseff. Ela foi eleita para cumprir os seus deveres constitucionais de forma plena e o sistema presidencial exige a liderança da primeira mandatária. Contrariamente, Dilma "terceirizou" as negociações políticas para o vice-presidente, a política econômica para Joaquim Levy e a política social para os presidentes da Câmara e do Senado Federal. Este esvaziamento funcional tornou o seu governo um Frankenstein deformado não apenas no corpo, mas também na alma.

A incerteza sobre o futuro político, não apenas nos próximos meses, mas também nos próximos anos, pesa muito nas decisões econômicas. Assusta verificar que os detentores do poder econômico estão paralisados e encapuzados pelo medo. Parece que sequer os seus interesses mais profundos os motiva à ação em prol do país. O Congresso, financiado em larga medida pelos que têm o PIB nas mãos, sente-se livre para navegar aos sabores das propostas populistas, corporativas e casuísticas. Renan Calheiros e Eduardo Cunha ganharam o centro da cena e o distinto povo parece ser a vítima do circo. Estimo que entre 2% e 3% de crescimento será o custo, neste ano e em 2016, da crise política.

Nada sinaliza o fim da letargia e inércia que tornam este país-gigante em anão de joelhos. Creio que há boas chances de as expectativas em relação à inflação melhorarem, mas talvez seja apenas isso. Nas últimas três semanas, houve forte influxo de recursos de estrangeiros em ativos de países emergentes, especialmente o Brasil. Os preços estavam atraentes e parecem descontar muito mais que a crise atual sugere. Da mesma forma, a divulgação de uma governança mais positiva para a Petrobrás fez com que muitos comprassem as ações da estatal por aqui e alhures.

Tudo isso é muito pouco, contudo. O que o Brasil precisa é deixar de ser o "narciso que só vê coisa ruim na própria imagem" e partir para reformar o país no sentido das próximas gerações. Por enquanto, os agentes políticos se ocupam com os próprios narizes e bolsos e os donos da bola na economia estão paralisados.

O sumiço da presidente da República é o sinal mais forte do momento atual. Todos apertam os cintos e não se sabe aonde vai o país.