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O período final de um longo processo

terça-feira, 27 de junho de 2017

Atualizado às 09:31

O que temos de certo é que todas as possibilidades estão abertas.

É preciso que não percamos a perspectiva de que estamos vivenciando o último período histórico da pós-democratização, iniciado no governo Collor. De lá para cá, tivemos ganhos relevantes, tais como, a inserção social do conceito de estabilidade monetária, os imensos ganhos em relação a certos valores e garantias individuais e a obediência ao calendário eleitoral, sem questionamentos institucionais à legitimidade de seus resultados. De outro lado, fracassamos na questão da inserção do Brasil no mundo global, na garantia de direitos sociais (tais como, a educação e a saúde), a incapacidade de mantermos a estabilidade estrutural da finança pública e a excessiva oligopolização da economia. É a política, contudo, onde se vê o monumental desastre da sociedade brasileira. Aqui o Estado Democrático de Direito se acanhou vergonhosamente.

Os tempos atuais demonstram de forma aberta os efeitos de nosso Estado clientelista-patrimonialista. A corrupção, o nepotismo e o absoluto descaso da classe política e, por que não dizer, da própria sociedade, com a res publica são fenômenos diretamente relacionados com a visão de um Estado no qual se instalam abertamente certos interesses privados em detrimento dos públicos, estes últimos de natureza muito mais difusa e, assim, sem muito defensores.

Em linguagem direta, podemos afirmar que não existiria a magnitude de problemas como os criados pelos "joesleys", "dirceus", "palloccis", "odebrechts", etc. se estivéssemos diante de um Estado mais desocupado de interesses privados e, no caso, nefastos. Todavia, as administrações mais recentes, de Lula a Temer, passando pelo "acidente" de Dilma, resolveram "testar" a nossa própria natureza clientelista-patrimonialista. O que se vê é uma Terra Desolada, infestada de corrupção e malfeitos que provavelmente encerrará um período histórico do país pós-1964 e pós-redemocratização. Temer é a estrela do momento, não precisamos lhe dar protagonismo exagerado.

Não nos enganemos que as "dores do parto" desse processo de transformação serão ainda bastante intensas. A denúncia do procurador-Geral da República Rodrigo Janot, acusando Michel Temer de corrupção passiva, é tão-somente mais um episódio desse longo processo de superação histórico.

Parece-me provável que tais denúncias trarão mais chances para que a sociedade se movimente em busca de saídas para o país. Se mantido o presidente diante de contínuas acusações graves de corrupção passiva, formação de organização criminosa e obstrução da Justiça, apenas confirmaremos o que já sabemos: o sistema de representação está falido. Se afastado Temer, verificaremos o mesmo, pois as escolhas disponíveis de solução política são sofríveis. Vê-se que no dilema aqui, apenas formas de ver como construir saídas para 2018.

Mesmo diante de tão inquietante cenário, não tenhamos a ilusão de que não haverá saídas para esse processo. O Poder Político não se encerra e será reocupado pelo processo político e eleitoral. Com efeito, chegou o tempo em que a sociedade precisa se reencontrar com novos valores políticos e adentrar a nova fase da história brasileira. Por óbvio, não há garantias de que nos organizaremos a tempo e melhor para produzirmos um cenário menos desolador. É preciso que brotem novas lideranças, por ora acanhadas, dentro do processo social. Não creio que os atuais ocupantes das cadeiras do Poder em Brasília serão capazes de alinhavar saídas que nos levem a superar o Estado clientelista-patrimonialista. Eles estão demasiadamente integrados aos seus próprios interesses e às mazelas que criaram no distinto povo. São parte do problema e não da solução.

Se acreditarmos que as saídas virão da sociedade, provavelmente de forma mais inesperada que "programada", temos de ficar atentos para que a "destruição" do atual status quo não acabe por despejar as esperanças do povo no sentido de saídas autoritárias. Isso pode ocorrer de várias formas, mas a mais possível é que venha por dentro das instituições vigentes e de forma legal, dentre as quais, o próprio processo eleitoral.

Um país com 14 milhões de desempregados e com a esperança pouco mitigada em termos de crescimento econômico pode se encaminhar para algumas ações políticas que acentuariam o caráter autoritário do clientelismo-patrimonialismo histórico.

A adoção de ações políticas baseadas nos atuais valores sociais, sobretudo a visão de um Estado que serve a poucos e, especialmente, aos interesses dos poderosos, reforçará o que já se vê hoje, mesmo que de forma diversa.

Se o cenário nos levar a um momento demasiadamente emocional, por meio de discursos populistas (Lula e Ciro, por exemplo) ou que reforçam valores aparentemente "tradicionais", mas que de fato são autoritários (Bolsonaro e alguns "movimentos sociais", por exemplo), experimentaremos novo período de incertezas, construídos institucionalmente. Aqui, não se pode construir cenários, caso isso ocorra.

De outro lado, se surgirem lideranças capazes e revisitar e revisar os nossos valores deteriorados e racionalmente construírem saídas políticas para o nosso desenvolvimento integral, estabelecendo fins e meios que sejam democraticamente organizados, o Brasil adentrará em um período de reais chances de superação histórica para melhor.

O que temos de certo agora é que todas as possibilidades estão abertas nessa fase final do período pós-redemocratização. Cabe-nos reconhecer isso e lutar para que as expectativas não se convertam em ações sociais irracionais.