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Saúde e economia: tratamento diversos, resultados conjuntos

terça-feira, 31 de março de 2020

Atualizado às 12:03

Governos preferiram deixar o tratamento da pandemia
e da economia em "caixas separadas"

Não há precedentes para a pandemia que abala todas as nações do mundo nessa hora. Afora a dimensão geográfica e humana do espalhamento do Convid-19 nas entranhas sociais do mundo, há que se considerar as ações e os cálculos políticos que rodeiam as ações de governos e instituições. Não é irrisório que os EUA estejam em meio à campanha eleitoral e que o coronavírus tenha se tornado o maior eleitor do momento. As guerras e as crises geopolíticas sempre foram fatores de reações centrífugas e centrípetas em relação aos líderes políticos, cujos efeitos eleitorais determinaram relevantes sucessos (e.g. Rooselvelt, eleito cinco vezes) e enormes insucessos (e.g. Carter, na crise de 1978 com o Irã ou o fim da ditadura argentina depois da guerra das Malvinas em 1982). Crises de pandemia jamais tiveram maiores efeitos políticos, nem mesmo a gripe espanhola de 1918. Agora viveremos isso. Vale observar que nessa crise não é à toa que o termo "guerra" tem sido usado pelos governos e seus porta-vozes: na ausência de amálgama para a linguagem política, nada melhor do que usar um termo tantas vezes usado.

Dois temas parecem ganhar contornos políticos "especiais" em meio à pandemia: o primeiro diz respeito ao grau de isolamento que os governantes estão impondo às populações dos países. O segundo diz respeito às medidas econômicas de natureza "compensatória" que estão sendo engendradas pelos erários.

Em respeito ao primeiro tema, está claro que ganham popularidade e credibilidade os governantes que agregam às (duras) medidas de contenção ingredientes de estabilização social, liderança em meio à crise e preocupação com a segurança das pessoas. No que diz respeito ao segundo tema, os governantes são avaliados sobremaneira em relação à capacidade de articulação com as forças políticas e sociais para produzir medidas que satisfaçam, mesmo que parcialmente, à conjuntura do momento. Obviamente, o impacto das medidas empreendidas pelos líderes é fundamental para conter as expectativas e até alterá-las. Todavia, a "articulação" é o fator mais observado pelas sociedades em relação aos líderes políticos no que se refere à economia. Quem bem articula, melhor é avaliado.

Não obstante, as pesquisas de opinião têm indicado que as expectativas estão a se deteriorar e que o pessimismo tomou conta dos cidadãos mundo afora. A verdade é que o impacto dessa crise foi em larga medida subestimada pelos governos ocidentais. Agora a corrida em busca de soluções acabou por causar deterioração mais acentuada nas principais economias. De todo o modo o que se percebe é que os governos preferiram deixar o tratamento da pandemia e da economia em "caixas separadas". Em verdade, essas áreas estão inter-relacionadas, mas tem-se optado em criar relação de causa (pandemia) e consequência (recessão) com evidente distinção de tratamento entre ambas. Ocorre que poucos países têm delimitado o horizonte temporal para a saída da crise de saúde e de suas medidas de contenção. Nesse contexto, o que será da economia?

De fato, sem o fim do isolamento não há análise econômica que se sustente. Todavia, se se demonstrar para a sociedade que não faltará recurso para a recuperação é possível que as expectativas se estabilizem e até se recuperem. No caso dos EUA, o pacote de US$ 2 trilhões focou de forma mais proporcional nas famílias e indivíduos em relação aos negócios e empresas: eis um sinal evidente de que o governo tenta atuar num espectro mais elástico da opinião pública e não apenas em relação aos "donos do poder econômico".

Aqui no Brasil a situação é, no mínimo, mais complexa. As "caixas" (saúde e economia) não estão insuladas: misturam-se temas prioritários de saúde pública com temas secundários (decorrentes) que dizem respeito à atividade econômica (recessão, desemprego, etc.). Seguido o roteiro é possível, senão já provável, que o país colha os piores frutos dessa pandemia: o colapso do sistema de saúde com perdas de muitas vidas somado com os efeitos econômicos negativos e, provavelmente, com expectativas ainda mais deterioradas. Ou seja, se trocará um horizonte de retomada econômica imediata pelo risco de uma piora ainda maior no médio prazo (seis meses).

Há de se recordar que do ponto de vista econômico há muito a ser feito, seja porque falta a necessária energia para elaborar e, especialmente, implementar políticas públicas e econômicas capazes de estabilizar e, no médio prazo, reverter as deterioradas expectativas. Ao adotar o viés ideológico que caracteriza o debate político do momento e que, por sua vez, não altera o curso das ações, troca-se a necessária dinâmica necessária às medidas pela estática de se usar o mesmo diagnóstico para conjunturas que se alteram. O lema do governo poderia ser "mudam os fatos e eu permaneço com a minha opinião". Deveria ser: "Ter uma postura condizente com a realidade sem debater a sua 'natureza ideológica'".

Como já enfatizei em artigos anteriores, a atual crise criou um hiato entre a produção de bens e serviços e a demanda por estes. Quanto maior a capacidade de o Estado prover recursos e preencher esse gap com recursos financeiros e materiais, mais rápida será a recuperação mais à frente.

Chegou a hora de os governos cuidarem para que as pessoas fiquem "paralisadas" em suas casas em prol do rápido e saudável retorno à atividade, bem como, cuidando para que a paralisia econômica acabe o mais rápido possível disponibilizando recursos com eficiência e rapidez. No caso do Brasil estamos com riscos redobrados: ter o pior na saúde das pessoas e na economia. Não deve ser essa a nossa sina, não é mesmo?