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A importância da regulação federalista pela Constituição de 1988

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Atualizado às 08:05

Rafael de Lazari

Se uma lei fundamental representa a refundação de um Estado, desde a Constituição de 1891 adotamos, oficialmente, o modelo republicano federativo (diz-se "oficialmente" considerando a formalidade de estar tal consagração em um texto constitucional, muito embora seja sabido que o decreto 1/1889 já havia proclamado "provisoriamente" a República Federativa).

Tamanha é a importância do republicanismo e do federalismo para a ordem estrutural pátria que todas as Constituições iniciam suas partes dispositivas desde logo deixando essa informação clara ao mundo (irradiação externa da Constituição) e aos cidadãos brasileiros (irradiação interna da Constituição): "A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil" (art. 1º, CF/1891); "A Nação brasileira, constituída pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil, mantém como forma de Governo, sob o regime representativo, a República federativa proclamada em 15 de novembro de 1889" (art. 1º, CF/1934); "O Brasil é uma República. O poder político emana do povo e é exercido em nome dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade; O Brasil é um Estado federal, constituído pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. É mantida a sua atual divisão política e territorial" (arts. 1º e 3º, CF/1937); "Os Estados Unidos do Brasil mantêm, sob o regime representativo, a Federação e a República" (art. 1º, CF/1946); "O Brasil é uma República Federativa, constituída sob o regime representativo, pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios" (CF/1967 - a mesma lógica se mantém na EC nº 1/1969); "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]" (CF/1988). Na refundação promovida por um texto constitucional, veja-se, o republicanismo e o federalismo têm se mantido intactos.

Deixando de abordar diretamente o modelo republicano (por fugir ao objetivo central proposto por esta coluna), convém indagar não apenas as razões da adoção de um modelo federativo no Brasil (o que será debatido semanalmente pelos autores que compõem esta coluna), como a pormenorização desta estrutura federativa (o que se tentará responder aqui). Frisa-se, pois, que o texto constitucional atual não se restringe a falar do federalismo genericamente, mas também para ele cria balizamentos. Com efeito, o Título III da Constituição Federal inaugura a parte que disciplina a organização do Estado, regulamentada entre os arts. 18 e 43. Trata-se de um conjunto de normas que almeja dar sustentáculo ao Estado brasileiro, na forma como são erigidas sua organização político-administrativa, as competências e bens de seus entes, preceitos gerais norteadores da Administração Pública, acionamento de mecanismos de intervenção, dentre outros.

Desconcentrar o Estado é tão importante quanto descentralizar o Poder, portanto. Implica uma relação de coexistência entre os entes federativos, partindo do pressuposto que a relação de direitos e deveres que entre eles se opera também funciona como mecanismo controlador e impeditivo a que um ente aja com relação de hierarquização em relação a outro. Se é certo que existe uma relação de conteúdo e continente (um município que se situe dentro do Estado do Espírito Santo ao Estado do Espírito Santo se atrela, assim como ambos se atrelam à União), a autonomia consagrada no art. 18, CF garante liberdades funcionais e políticas (liberdades estas limitadas, obviamente) que incluem a fiscalização entre entes federativos, e, principalmente, a diluição do poder.

Na verdade, todas as relações entre Estados e Estados, bem como entre Estados e cidadãos, possuem um processo evolutivo histórico abrangente tanto de uma concepção inicial de irresponsabilidade jurídica-política do governante, como seu extremo oposto (da responsabilidade jurídica-política do governante). Essa visão organicista não deve se dar de modo apartado da visão estrutural da organização do Estado, isto é, o modo como as relações acima mencionadas se desenvolvem dentro de um espaço virtual tutelado pelo Estado e assim aceito pelos indivíduos.

Discutir a regulação federalista pela Constituição é, pois, saber como o poder político se manifesta dentro de um âmbito geograficamente delimitado. Assim o foi com as primeiras manifestações tribais, em que o poder político era exercido sobre um clã; assim o foi durante a "polis" grega; assim o foi durante o período medieval com o sistema feudal, em que as relações econômicas, protetivas e comerciais se desenvolviam dentro e/ou ao redor das muralhas; assim o foi com a consolidação do Estado moderno; assim o foi com os novos pontos de vista trazidos pelo globalismo; assim o será com o que ainda há de vir na escala evolutiva da organização estatal. O Estado é inerente ao convívio humano, e isso não se altera. O que pode se alterar são as variações acerca do modo como o poder político estatal dentro de uma determinada área é desempenhado. Daí a importância de entender como essa noção de responsabilização e freios e contrapesos se desenrola, também, entre os entes federativos.