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Outros modelos de Estado

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Atualizado às 08:23

Daniel Barile da Silveira

Ao se falar sobre modelos de Estado, normalmente se pensa na dualidade existente entre o Estado Unitário e o Estado Federal, cada um com suas características próprias e formas de organização política muito peculiares. Entretanto, é possível encontrar modelos diferentes de ordenação territorial, como no caso do Estado Regional e o Estado Autonômico.

Tanto no Estado Regional quanto no Autonômico, é possível perceber uma mutação do modelo original de Estado Unitário, em um desenvolvimento de suas estruturas mais tradicionais. Tal contexto se mostra muito marcado com a diversificação de atividades em meio a um modelo clássico de Estado em que as competências e as tarefas que precisam ser exercidas encontram-se muito concentradas na figura da autoridade central, dificultando o atendimento amplo e diversificado aos mais longínquos territórios daquela nação. Levando-se em conta a maior complexidade das atividades do Estado, especialmente desenvolvidas no cenário de crescente clientelismo estatal a partir da década de 20, acaba-se construindo uma maior burocratização de suas estruturas. Essa lentidão e ineficiência da organização unitária levam a uma reestruturação das atividades a serem desempenhadas pelo Poder Público, no sentido de ganhar maior eficiência e especialização.

Mas não somente este fator deve-se levar em conta. Uma maior busca por democratizar a participação dos cidadãos, conviventes em um típico Estado centralizado, é outro mote principal em que esses dois modelos são construídos. Em ambos os casos, é possível perceber um crescimento participativo das regiões que compõem este Estado (Comunas, Departamentos, Circunscrições, Distritos, Províncias, Condados etc.) as quais, embora não gozem de autonomia absoluta para conduzir seus destinos, querem influenciar e determinar-se perante suas individualidades e caracteres culturais especiais. Ao menos na experiência histórica espanhola e italiana, ao que se verá, a adoção de um modelo menos centralizado permitiu que houvesse um incremento na manutenção da unidade nacional. Seu propósito é de que o recebimento de maior autonomia local arrefece as tentativas de movimentos separatistas e confere maior laço de legitimidade às políticas centralmente definidas, eis que corroboradas ou complementadas pela incidência dos desejos regionalizados.

O Estado Regional é uma forma de Estado que busca compatibilizar a ideia de unidade, com descentralização e autonomia. Para tanto, constitui unidades estatais, denominadas de regiões, as quais recebem um conjunto de competências legais que permitem o desenvolver de uma autonomia mais localizada, tanto legislativa quanto política. Sua forma mais tradicional é associada ao modelo italiano, vez que a Constituição Italiana de 1947 dividiu suas unidades geográficas em regiões, províncias e municípios (art. 114), permitindo que estas regiões ganhassem um maior grau de autonomia. Cada região, portanto, possui eu próprio Estatuto, como uma espécie de "Constituição Regional" (art. 117), gozando de autonomia legislativa ampla o suficiente para reforçar os aspectos locais. São estas regiões: Valle d'Aosta, Piemonte, Lombardia, Veneto, Trentino Alto Adige, Friulli Venezia Giulia, Liguria, Emilia Romagna, Toscana, Umbria, Marche, Lazio, Abruzzo, Molise, Puglia, Campania, Basilicata, Calabria, Sicilia e Sardegna.

Neste aspecto, é importante registrar que, com as competências próprias definidas pela lei, gera-se naturalmente um importante incremento da descentralização política, viabilizando eleições localizadas, estimulando-se, destarte, uma autonomia política maior e o fortalecimento de lideranças políticas regionalizadas.

O modelo autonômico nasce a partir da experiência espanhola. Sua configuração mais evidente nasceu a partir da resistência ao governo autoritário e centralizador do general Franco, cuja concentração decisória açulava as diversas regiões espanholas pela falta da representatividade regional e a ausência da observância das demandas setoriais em um governo de planificação decisória massiva. Assim, a Constituição espanhola de 1978 incorpora uma maior descentralização das competências para suas diversas regiões, quando então descentraliza não somente políticas estatais de atendimento, mas também uma ampla parcela da atividade legislativa (art. 143 e ss.). Esta última, por sinal, é o elemento diferenciador do Estado Unitário descentralizado para o Autonômico: no primeiro, há apenas descentralização administrativa, mantendo a estrutura judicial e a legislativa centralizadas; já no segundo, além da descentralização administrativa, haverá a delegação de competências legislativas autônomas para as regiões, permitindo-se criar suas próprias leis. Deste modo, mantêm-se, ainda, o governo Nacional e o Judiciário Central.

Nesta perspectiva, a Espanha organiza-se em 17 comunidades autonômicas: Andaluzia, Aragão, Ilhas Baleares, Canárias, Cantábria, Castilla-La Mancha, Castela e Leão, Catalunha, Comunidade de Madrid, Comunidade Foral de Navarra, Comunidade Valenciana, Extremadura, Galiza, País Basco, Principado das Astúrias, Região de Múrcia e La Rioja1. Em cada comunidade há províncias, as quais, por sua vez, subdividem-se em municípios.

O Estado Autonômico vai se diferenciar do Estado Regional basicamente pela forma de constituição da influência do poder regional: no Estado Regional, a legitimidade e a descentralização do poder das regiões são construídas pelo Estado Unitário, sendo distribuído para as porções menores da Nação, "de cima para baixo". Ao revés, no modelo autonômico, tem-se a incidência de um grau de organização da base para o topo, de forma a conferir um maior grau de representatividade na construção deste modelo para as unidades autônomas: "de baixo para cima".

Há ainda quem defenda que não haveria muita diferença entre o Estado Federal e o Estado Regional ou o Autonômico, senão na origem das suas atribuições. Isto porque, em um federalismo clássico, caberá aos Estados Federados ceder parte de sua autonomia e de suas atribuições ao Estado Federal, como a União. No modelo Regional, é o Estado Central que cede parte de suas atribuições às regiões administrativas. O Estado Regional e o Autonômico são mais centralizados que o Federal e menos que o Unitário. Nesta concepção, o Estado Regional e o Autonômico nada mais são do que um subtipo de Estado Unitário com gradação maior de descentralização, muito eficaz para harmonizar uma política nacional mais unitária com elementos representativos da parcela local da população.

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1 Ceuta e Melilla são duas cidades autônomas, sendo ainda o território espanhol composto por pequenas porções esparsas pelo norte africano, sujeitas ao Governo Central.