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Federalismo e o direito de secessão

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Atualizado em 22 de maio de 2018 14:41

Jefferson Aparecido Dias

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, estabelecia, em seu primeiro artigo, que "A Nação brasileira adota como forma de governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil".

Ao estabelecer que a Federação brasileira se constitui por uma união "indissolúvel", o mencionado texto constitucional afastou a possibilidade de secessão, típica das Confederações, nas quais os Estados soberanos e independentes podem pleitear a saída da união celebrada por meio de tratado internacional.

Assim, o direito de secessão é o grande diferencial entre uma Confederação, no qual ele é possível, e uma Federação, na qual ele é vedado.

Essa transição, de Confederação para Federação, ocorreu nos Estados Unidos, no qual "A Federação americana oitocentista é construída como uma aliança política indissolúvel entre Estados federados autônomos, formalizada por meio de uma Constituição escrita e rígida, a de 1787.11 Ela sucede a confederação, pacto político institucionalizado por meio de um tratado internacional - "Os Artigos da Confederação" celebrado em 1781 - entre Estados soberanos e independentes (as treze ex-colônias) e marcado pela possibilidade de secessão dos entes confederados"1.

Segundo Hamilton e Madison, a Confederação, no caso do EUA, era totalmente inviável, pois: "A experiência é o oráculo da verdade; e quando suas respostas são inequívocas, deveriam ser concludentes e sagradas. A importante verdade que pronuncia inequivocamente neste caso é que uma soberania colocada sobre outros soberanos, um governo sobre outros governos, uma legislação para comunidades - por oposição de indivíduos que a compõem -, se em teoria resulta incongruente, na prática subverte a ordem e os fins da sociedade civil, substituindo a violência à lei, ou a coação destruidora da espada à suave e saudável coerção da magistratura"2.

Interessante destacar que, no Brasil, essa transição de Confederação para Federação inexistiu, pois, anteriormente, éramos um Estado Unitário, com "centralização política e monismo de poder"3, e migramos para uma Federação na qual as antigas províncias passaram a ser consideradas Estados Membros. Assim, ao contrário dos Estados Unidos onde os Estados abriram mão da soberania e tiveram que passar a conviver apenas com autonomia, no Brasil, as províncias, que não possuíam qualquer atribuição política ou legislativa, passaram a ter autonomia, ou seja, passaram a ter a possibilidade de auto-organização.

Atualmente, no Brasil, sequer uma Emenda Constitucional pode reconhecer o direito de secessão, pois o art. 60, §4º do atual texto constitucional é expresso em estabelecer que "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado".

Em nossa realidade, portanto, o objetivo da União é, por um lado, impedir que os Estados extrapolem a sua autonomia e busquem a secessão e, por outro, fazer com a autonomia seja mantida e não se submeta a um governo central. Na verdade, parece-me que nesse segundo aspecto o risco é maior.

Nesse sentido, é certo que existem movimentos separatistas que defendem que esse ou aquele Estado Membro deveria promover a sua secessão e, saindo da Federação, dar início a outro país, que passaria a ter soberania. Contudo, tais movimentos são incipientes e acabam por congregar a adesão de poucas pessoas.

Por outro lado, a edição de leis e mesmo o desempenho de atribuições constitucionais tende a fortalecer cada vez mais o governo central, diminuindo o âmbito de atuação de Estados e Municípios, o que enfraquece a Federação e faz com que o país caminhe para um Estado Unitário.

Tal situação é facilmente verificável, dentre outros aspectos, no exercício do poder de tributar por parte da União que, nas últimas décadas, tem majorado as contribuições sociais e, quando pretende promover alguma desoneração, a realiza no âmbito dos impostos.

Assim, quando pretendeu incentivar o consumo, o governo Federal promoveu a isenção de IPI (Imposto de Produção Industrial) em várias áreas, diminuindo a arrecadação de imposto de, posteriormente, seria dividido entre Estados e Municípios, por meio dos Fundos de Participação.

Por outro lado, quando necessitou aumentar a arrecadação, o Governo Federal majorou as alíquotas do PIS (Programa Integração Social) e do COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), valores que, ao serem arrecadados, são utilizados apenas pela União e não são distribuídos por meio de transferências obrigatórias para Estados e Municípios.

Ao diminuir a arrecadação de Estados e municípios, a União, de forma indireta, limita a sua autonomia e exige que eles passem a adotar uma postura de quase mendicância em face do Governo Federal, que, ao deter a "chave do cofre", pode condicionar o repasse de recursos à adesão aos seus projetos políticos.

Recentemente, um Ministro de Estado chegou a defender, inclusive, que o Governo Federal somente repassasse recursos para Estados e Municípios se os seus representantes no Congresso Nacional votassem a favor da Reforma da Previdência4.

O problema é que essa forte repressão à autonomia dos Estados não acontece apenas no âmbito orçamentário, pois atinge, também, a autonomia legislativa.

Nesse sentido, é comum que a Constituição estabeleça que cabe à União legislar, em caráter geral, sobre várias matérias, resguardando aos Estados a capacidade para legislar em caráter específico. A União, contudo, ao supostamente desempenhar o seu poder de legislar, não raras vezes excede e, fugindo do âmbito geral, ingressa em matérias específicas que, em tese, caberia ao Estado regulamentar.

A título de exemplo, é o que tem ocorrido em matéria de licitações públicas, na qual a legislação federal tem descido a minúcias que praticamente elimina a autonomia legislativa dos Estados.

O Brasil, nesse cenário e em certos aspectos, corre o risco de se tornar, formalmente, uma Federação, mas, materialmente, um Estado Unitário, tamanha a concentração de poder nas mãos do Governo Federal.

Essa situação, por outro lado, acaba sendo utilizada como inspiração para movimentos separatistas que, sob o argumento de que os recursos públicos se concentram nas mãos do Governo Federal, defendem que a "saída" da Federação brasileira seria a solução para que os recursos arrecadados no Estado Membro revertessem em benefício de sua população.

Tal secessão, como já mencionado, não é possível de ocorrer, mas a defesa dessas teorias separatistas acaba alimentando o preconceito e o discurso de ódio em relação aos brasileiros provenientes de algumas regiões.

A título de exemplo, pode ser citado o preconceito contra nordestinos que, infelizmente, é frequente e a cada dia invade as redes sociais5.

Oxalá o Brasil consiga evoluir com um verdadeiro Estado Federado, no qual a autonomia dos Estados Membros e dos municípios seja desempenhada de forma plena, permitindo que possamos manter nossa unidade como nação, sem esquecer de nossas particularidades.

Que possamos nos reconhecer, todos, como brasileiros.

_________

1 DIAS, Cibele Fernandes. Repartição de competências legislativas e administrativas. In CLÈVE, Clèmerson Merlin (coord.). Direito constitucional brasileiro. vol. II. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais 2014, p. 124.

2 HAMILTON, Alexander. JAY, John. MADISON, James. Os federalistas. Rio de Janeiro : Editora Nacional de Direito, 1959, p. 82.

3 NOVELINO, Marcelo. Curdo de direito constitucional. Salvador : Editora JusPodivm, 2015, p. 588.

4 Ministro diz que liberar verba por voto não é chantagem, é 'ação de governo'. Data: 26 dez. 2017. Acesso em 21 maio 2018.

5 Os nordestinos e o preconceito nosso de cada dia. Data: 10/10/17. Acesso em: 21 maio 2018.