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Perdoar a alguém por algo - É correto?

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Atualizado às 08:27

O leitor Jairo Duarte envia a seguinte dúvida ao Gramatigalhas:

"A minha dúvida, que não está ligada ao meio jurídico, é a seguinte: é muito comum verificar nos folhetos de missa e livros de orações, o texto da oração do 'Pai Nosso' com o seguinte trecho 'perdoai as nossas ofensas...', ou 'perdoai-nos as nossas ofensas...'. O correto não seria 'perdoai-nos POR nossas ofensas...'? Grato."

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1) Um leitor quer saber, em suma, qual é a forma correta de construir uma frase com o verbo perdoar: a) "Perdoai as nossas ofensas"; b) "Perdoai-nos as nossas ofensas"; c) "Perdoai-nos por nossas ofensas".

2) A pergunta do leitor, em termos técnicos, busca saber que o tipo de complemento pede o verbo perdoar. Trata-se, portanto, de questão referente a regência verbal.

3) Quanto à regência verbal considerada em sua forma ortodoxa, tem esse vocábulo duas transitividades.

4) É verbo transitivo direto, se o complemento é coisa. Exs.: a) "O Vencedor perdoou o débito"; b) "O vencedor perdoou-o".

5) É transitivo indireto, se o complemento é pessoa. Exs.: a) "O vencedor perdoou ao vencido"; b) "O vencedor perdoou-lhe".

6) Admite também ser construído com os dois complementos. Exs.: a) "O vencedor perdoou o débito ao vencido"; b) "O vencedor perdoou-lho".

7) A par dessas construções, Celso Pedro Luft abona, de modo expresso, a construção "perdoar alguém por" e traz o exemplo "Perdoou a esposa pelas faltas cometidas". Como se vê, defende ele que a pessoa funcione como objeto direto e que a coisa seja um objeto indireto precedido pela preposição por. Embora essa construção arcaica de considerar a pessoa um objeto direto tenha sido defendida, várias décadas atrás, por gramáticos do porte de Otoniel Mota, trata-se de construção inaceitável, por anacrônica, pela norma culta dos dias de hoje, de modo que não se admite, atualmente, que, com esse verbo, a pessoa funcione como objeto direto.

8) Mas parece totalmente aceitável que se mantenha, em linhas gerais, tal estrutura, desde que se torne a pessoa um objeto indireto: "Perdoou à esposa pelas faltas cometidas". Nesse caso, ter-se-ia o que os estudiosos chamam de verbo bitransitivo indireto, vale dizer, um verbo construído com dois objetos indiretos.

9) Feitas essas considerações, pode-se dizer, quanto à indagação específica do leitor, que seu primeiro exemplo ("Perdoai as nossas ofensas") está correto, porque o verbo perdoar admite ser construído apenas com o objeto direto de coisa ("as nossas ofensas").

10) No que tange ao segundo exemplo ("Perdoai-nos as nossas ofensas"), pode-se afirmar que ele também está correto, porque o verbo perdoar admite ser construído, a um só tempo, com um objeto direto de coisa ("as nossas ofensas") e com um objeto indireto de pessoa ("nos" = a nós).

11) Por fim, quanto ao terceiro exemplo ("Perdoai-nos por nossas ofensas"), parece que deva ser aceito como correto pelas mesmas razões acima explicitadas para validação do exemplo "Perdoou à esposa pelas faltas cometidas"; mas isso desde que se entenda o nos como objeto indireto (= a nós), de modo que se tenha, então, um verbo bitransitivo indireto.

12) Vale dizer: para fins de análise sintática, nesse último caso, o nos será objeto indireto, enquanto por nossas ofensas também será objeto indireto.

13) Importante esse esclarecimento, uma vez que o pronome nos tanto pode funcionar como objeto direto (como em "Ele viu-nos"), como pode ser objeto indireto (como em "Pareceu-nos totalmente inoportuna sua visita").