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O projeto de alteração da lei 11.101/05 e a propositura de plano pelos credores

terça-feira, 29 de maio de 2018

Atualizado às 08:59


Texto de autoria de Marcelo Barbosa Sacramone

O projeto apresentado pelo Ministério da Fazenda para alterar a Lei de Recuperação Judicial procurou modernizar o sistema recuperacional e falimentar brasileiro e assegurar impactos positivos sobre geração de emprego e renda, além de elevar a produtividade da economia. A despeito de aprimoramentos importantes na falência quanto à forma de liquidação de ativo, celeridade na arrecadação pelo administrador judicial e tratamento prioritário ao crédito decorrente de financiamento ao empresário, a alteração da minuta originalmente proposta pelo grupo de trabalho e sua subversão para que pudesse acomodar interesses de diversos grupos dominantes fizeram com que os dispositivos propostos quanto à recuperação judicial não apenas revelassem uma total incompreensão da realidade existente, como pudessem criar problemas onde até então eles não existiam, como ocorre com a possibilidade de apresentação de plano pelos credores.

De forma a acelerar o processo de recuperação judicial, procurou o projeto de lei estabelecer que a realização da assembleia geral não poderia exceder 120 dias e perdurar por mais de 90 dias, caso suspensa. Todavia, dados coletados pelo Núcleo de Estudo e Pesquisa de Insolvência da PUC/SP em parceria com a Associação Brasileira de Jurimetria sobre os processos de recuperação judicial das varas especializadas da capital de São Paulo identificaram que a mediana do período de aprovação de um plano de recuperação judicial é de 386 dias e a média é de 507 dias, a despeito de a lei ter imposto o prazo improrrogável de suspensão das ações e execuções em face do devedor em 180 dias. O número, para além de indicar que é irrelevante toda a discussão atual sobre se a aplicação do prazo de stay period de 180 dias é em dias corridos ou úteis, conforme o Código de Processo Civil, demonstra que reduzir de forma forçada o prazo para a composição dos credores e devedor seria inútil.

Para além da desnecessidade, o decurso do prazo de 120 dias da decisão de processamento sem que o plano fosse aprovado permitiria que os próprios credores apresentassem plano de recuperação judicial, com a necessária destituição dos gestores do devedor, mesmo que não possuíssem a expressa concordância desse, com a ressalva de que não poderiam imputar aos sócios do devedor sacrifício do seu capital maior do que aquele que decorreria da liquidação na falência. Pelo projeto, essa possibilidade de apresentação de plano alternativo procuraria evitar a "proposição pelos devedores de plano de recuperação judicial deslocados da realidade da empresa (em detrimento dos credores), prolongamento da recuperação judicial apenas com fins de postergar pagamento de tributos ou dilapidar patrimônio da empresa etc.".

Todavia, na prática, a falta de negociação entre devedores e credores para a obtenção de uma solução comum para a crise que acomete a atividade empresarial apenas ocorre em parcela diminuta dos processos. Em 79,2% dos planos de recuperação judicial apresentados, os credores, por maioria de créditos e/ou cabeças em cada classe, compõem-se com o devedor e concordam com a proposta por ele apresentada, após intensa negociação e concessões recíprocas.

A apresentação pelos credores de um plano de recuperação judicial não apenas impede que a recuperação judicial possa ser tida como uma solução consensual entre os maiores interessados na manutenção da atividade empresarial, como provoca incentivos perversos. A possibilidade de apresentação de plano após 120 dias assegura ao credor um estímulo para que não se esforce por uma solução comum com o devedor em um prazo inferior, o que compromete a celeridade almejada.

A necessária destituição dos gestores como decorrente da apresentação do plano pelos credores implica, outrossim, desconsiderar que a crise empresarial pode ter sido causada por fenômenos externos, alheios à administração e tão frequentes na realidade nacional, como a contração de determinado mercado de produtos ou serviços, a supressão dos pagamentos de adquirentes relevantes ou a interrupção de fornecimento de mercadorias imprescindíveis. Vinculados diretamente à empresa, notadamente no contexto brasileiro composto quase que absolutamente por sociedades familiares ou de alta concentração das participações, a destituição obrigatória dos gestores não apenas poderá retirar da condução da atividade empresarial o profissional mais informado e apto a desempenhar a função, como poderá comprometer a própria viabilidade do desenvolvimento da atividade empresarial.

Referida possibilidade aos credores poderá acentuar, não obstante, uma das principais críticas ao insucesso das recuperações judiciais: a busca tardia do empresário por uma alternativa jurídica a superar a crise econômico-financeira que o acomete. Diante do risco de expropriação de seus bens pelos credores por meio do plano de recuperação judicial por eles proposto e aprovado, o devedor é incentivado a evitar a recuperação judicial ao máximo, eventualmente até que sua crise não possa mais ser reversível e o instituto da recuperação judicial não lhe possa mais ser eficaz, em prejuízo do interesse de todos.

Decerto aprimoramentos legais são necessários para que a recuperação judicial possa desempenhar toda a função para a qual foi concebida. A importação sem maiores reflexões de institutos jurídicos estrangeiros desconectados da realidade pátria, entretanto, poderá comprometer não apenas esses treze anos de amadurecimento doutrinário e jurisprudencial, como a própria eficiência do instituto da recuperação judicial.