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Kafka, alienação e deformidades da legalidade

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Atualizado em 12 de janeiro de 2015 12:41



Editora:
Thomson Reuters, por meio de seu selo editorial Revista dos Tribunais
Autor: Eurico Marcos Diniz de Santi
Páginas: 590



Abrimos nossa seção neste ano de 2015 em grande gala: a obra não só é densa, profunda, como absolutamente inovadora, considerando sobretudo a seara do Direito a que se dedica. Sim, normalmente discorrer sobre o direito tributário é falar a poucos iniciados, é lançar mão de um juridiquês ainda mais árido, um vocabulário cheio de siglas, números, alíquotas e expressões que terminam por dissimular a ausência de substância de muitas das discussões encetadas. Aqui, não. Valendo-se de um arcabouço erudito, humanista, o autor vai às profundezas do tema.

E qual é o tema?

Tal como Picasso em sua Guernica, e sobretudo Kafka em seu processo disparatado e claustrofóbico, nas palavras do autor a proposta é realçar as deformidades da tributação no Brasil, tanto por parte do contribuinte, "que maneja a lei para obter desoneração ou que realiza evasão para pagar menos tributos", seja por parte do governo, "que flexibiliza a legalidade, usando a máquina fiscal com o objetivo obsessivo de arrecadar mais e manipular privilégios".

A partir do estudo pormenorizado de sete casos práticos, o autor busca escancarar o que chama de "legalidade concreta", "objeto empírico privilegiado" capaz de mostrar ao leitor que embora não se valha de fórmulas ilegais, e sim de estruturas que se encaixam no conceito de direito, de validade, etc., a prática tributária no Brasil gera insegurança jurídica e aproxima-se da ilegalidade.

Dessa forma, invertendo o caminho convencional de começar pela CF para chegar ao fato, o autor propõe aos leitores partir da "legalidade concreta", isso é, do fato, para depois ir à norma. Em outras palavras, a motivação legal do ato administrativo (do documento físico de autuação) deve ser a primeira norma analisada. Não haverá mais um sujeito passivo anônimo, genérico e impessoal, "mas fatos concretos e autuações que revelam o distanciamento entre a teoria e a prática jurídica exercida nos limites cinzentos entre o lícito e o ilícito".

As análises empreendidas envolvem as empresas que o próprio governo denomina "campeãs nacionais", e revelam que o mecanismo do chamado "planejamento tributário" por parte das grandes corporações desencadeia no fisco uma postura que termina por punir o bom contribuinte, instaurando uma relação de gato e rato que visa suprir as rendas perdidas, valendo-se, inclusive, de certa "flexibilização da legalidade".

Conforme muito bem marcado pelo professor Garcez Ghirardi em um dos prefácios, Hamlet, o jovem príncipe da Dinamarca, soube perceber a eficácia da arte para a transmissão de sua mensagem sem que essa restasse neutralizada por discursos contrários. Nessa mesma esteira, para De Santi, nesse cenário de desconfiança e até mesmo de imoralidade que grassa entre fisco e contribuinte, em que (i) a mesma lei é reinterpretada com outro sentido; (ii) a jurisprudência dos tribunais administrados não é respeitada; (iii) o sigilo fiscal é usado para esconder a correta interpretação da lei, "só o espanto de Kafka" é capaz de veicular o estado das coisas.

Em suas palavras, a literatura de Kafka ajuda a compreender, em suma, "que falta direito à tributação no Brasil".

Sobre o autor :


Eurico Marcos Diniz de Santi
é coordenador do NEF - Núcleo de Estudos Fiscais do Direito FGV e da especialização em Direito Tributário da GVlaw; professor da graduação, Pós-GVlaw Tributário e mestrado da Direito GV; mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC/SP; ex-juiz do TIT/SP e ganhador do Prêmio "Livro do Ano" pela ABDT, em 1997, e do Prêmio Jabuti "Melhor Livro de Direito" em 2008.



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Ganhadora :

Giselia da Cruz Maia, advogada no RJ