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E agora, torcedor do Figueirense? - Parte II

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Atualizado às 08:40


Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leonardo Barros C. de Araújo

É preciso advertir os leitores e leitoras que acompanham esta coluna: o que se vê, hoje, no Figueirense, e o modelo empresarial estruturado para aquele time, não refletem, em absoluto, a concepção do projeto de nova organização do futebol brasileiro que defendemos.

Ainda em 2017, pouco tempo após o anúncio da parceria do Figueirense com um investidor à época desconhecido, tentamos lançar alguma luz - e algumas provocações - sobre as então muito misteriosas condições do negócio celebrado pelo time catarinense1.

O texto não foi profético. Longe de nós, aliás, querer propagar qualquer habilidade (ou vocação) futurologista - que, é claro, inexiste.

Infelizmente, contudo, nossos piores temores se revelaram mesmo realidade.

A situação do Figueirense, pelo que dão contas as notícias, é calamitosa.

Entristece qualquer amante do futebol ver o sofrimento dos funcionários (inclusive atletas), a impotência e a revolta da torcida, o descaso dos cartolas, a perda de um jogo por w.o.

É grave. Muito grave.

Mas não se pretende, neste texto, enunciar os culpados - por mais que se possa ter, intuitivamente, fortes receios sobre as causas do problema, e por mais nobre que possa ser tentar entregar ao Figueirense alguma solução fácil e imediata, como se "receita de bolo" fosse.

Nossa missão é, talvez, um pouco mais ampla e essencialista. Não é focada em um caso, específico, como o do Figueirense, mas se endereça ao sistema do futebol brasileiro.

Afinal, o problema que lá se manifestou, como um vulcão outrora adormecido que entra em erupção, é a dura realidade que muitos times brasileiros vivenciam ou estão, potencial ou concretamente, próximos de vivenciar.

Dívidas, salários atrasados, condições estruturais precárias, gestões questionadas (ou até mesmo condenadas). Quantas dessas e outras mazelas não castigam os times do Brasil, de forma geral?

O modelo estruturado pelo (ou para o) Figueirense - e o seu mau resultado, evidenciado pelos últimos episódios veiculados na imprensa - é um exemplo do insucesso da concepção estrutural que foi propagada pela Lei Pelé e que, por suas fragilidades, precisa ser entendida e compreendida, para, então, não ser repetida (jamais).

Foi assim com outras iniciativas, anteriores. Está sendo assim com o Figueirense.

São projetos que não se apoiam na transparência e em instrumentos regulatórios de controle, ou que não buscam resolver, de forma completa, os problemas estruturais que dão tom à precariedade da gestão futebolística. Esse é o mal do famigerado "clube-empresa", por exemplo.

A solução organizativa para os times brasileiros não pode advir de uma iniciativa essencialmente desportiva, formalista, como a Lei Pelé. Tampouco deve despontar de um conjunto de ideias apenas empresariais, a exemplo de crua aplicação do nosso conjunto de regras societárias e comerciais em geral.

É preciso um passo maior e mais cuidadoso - e, ao mesmo tempo, mais audacioso.

É preciso que se crie um novo ecossistema, um novo mercado do futebol, que alie as preocupações desportivas - que são legítimas - aos conceitos e técnicas empresariais, observe as melhores práticas de governança corporativa e respeite as particularidades (culturais, econômicas e conjunturais) do futebol brasileiro, oferecendo-lhe, assim, uma via de transição.

Só uma passagem bem estruturada do (desorganizado e inadequado) modelo atual para um novo modelo, vinculada à criação de um ecossistema do futebol, é que causará verdadeira transformação.

Esse ecossistema, ou mercado do futebol, deve gerar, além de um ou mais tipos societários especiais para os times que assim desejarem se organizar, instrumentos de governança, transparência e mecanismos de controle. Tudo isso para permitir que os recursos cheguem até o futebol, a um custo adequado, e, dessa forma, suas atividades possam ser (melhor) desenvolvidas.

Busca-se, por meio de medidas como as comentadas acima, evitar a apropriação dos times por agentes oportunistas, que já estão de olho em um mercado de gigante potencial e significativas proporções.

O Figueirense, nesse modelo de parceria, pelo que dele se pôde notar, é velho futebol. Não tem nada de novo.

Lá em 2017, concluímos nosso texto refletindo que "[e]nquanto não se refundar a estrutura do futebol brasileiro, as iniciativas - mesmo que, na essência, bem intencionadas - isoladas e pouco transparentes continuarão a estimular a sensação - ou a certeza - de que se mantém o aviltamento do patrimônio futebolístico nacional".

Não mudamos de ideia.

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1 E agora, torcedor do Figueirense?