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A limitação do Direito Autoral no tempo

segunda-feira, 20 de março de 2017

Atualizado às 09:53

Luciano Andrade Pinheiro

Por força de lei, o direito de autor é limitado no tempo. Isso quer dizer que, diferentemente do direito de propriedade, por exemplo, as faculdades inerentes à autoria têm uma duração estabelecida. Passado determinado prazo - que no Brasil é de 70 anos - a obra entra em um estado chamado domínio público. Esse prazo não é prescricional ou decadencial. É uma característica própria do direito de autor, inerente à propriedade intelectual. As marcas e as patentes também são temporárias, mas esse é um assunto para outra oportunidade. Hoje, só direito de autor dentro da dogmática.

A origem da limitação temporal ou duração da proteção é do nascimento do direito do criador intelectual. Na Inglaterra (Copyright Act), para muitos o berço desse tipo de direito, o que eles chamavam de "privilégio", já era temporário e durava 14 anos.

A controversa premissa de que o autor, no ato de criação, se utiliza do que a sociedade lhe oferece para exercer o seu gênio, porque nada surge do nada e o criador sofre influências, tem servido para justificar a limitação temporal como uma forma de retribuição que a mesma sociedade cobra do autor por dar a ele um direito exclusivo sobre aquilo que produz.

De outro lado, depois de um certo tempo é quase impossível localizar os herdeiros/titulares ou estabelecer quem é legítimo para autorizar a utilização da obra intelectual. O autor morre, seus sucessores também, e perpetuar o direito significaria privar a sociedade de acesso à obra, afinal, na forma da Lei de Direito Autoral, qualquer uso da obra deve ser prévia e expressamente autorizado.

Não é possível, para debater este assunto, esquecer que o direito autoral impõe, pela sua própria natureza, uma dificuldade à circulação de qualquer obra, porque exige autorização prévia e expressa para o uso da obra. Aquela criação intelectual cuja qualidade mereceu ser lembrada depois de um tempo considerável deve circular livremente para aumentar a cultura de toda a coletividade. Essa é mais uma justificativa para limitar-se no tempo o direito.

Contra a limitação, há dois argumentos essenciais: a limitação priva os herdeiros de um patrimônio que muitas vezes é único o que indicaria, a priori, uma injustiça; a obra que entra no domínio público só beneficia as indústrias que podem, por exemplo, publicar os livros e gravar as músicas sem precisar pagar nada ou pedir autorização.

Esse prazo de limitação temporal do direito do autor varia conforme o país. No Brasil será sempre de 70 anos, mas pode alterar a data de início da contagem a depender do tipo de obra. Na Lei anterior promulgada em 1973 o prazo era 60 anos. Na maioria dos países o prazo é de 50 anos.

Por força de lei, para as obras fotográficas e audiovisuais vale como die a quo da contagem do prazo o dia primeiro de janeiro subsequente à divulgação ou post publicationem operis. Para os demais tipos de manifestação do pensamento, vale a regra geral, ou seja, o prazo é contado a partir de primeiro de janeiro do ano subsequente à morte do autor, ou post mortem auctoris. Para as obras publicadas postumamente o prazo não muda, continua sendo de 70 anos dentro da regra geral. Na obra em co-autoria indivisível conta da morte do último dos co-autores sobreviventes. Na obra anônima ou pseudônima conta-se o prazo a partir de primeiro de janeiro à primeira publicação, mas se o autor que usa pseudônimo for conhecido ou se der a conhecer antes do término do prazo vai valer a regra geral.

A justificativa legislativa para o tamanho do prazo é a expectativa de vida de uma geração de herdeiros. O autor goza por toda a vida, e os herdeiros por 70 anos a contar da morte do autor. É por isso, inclusive, que as obras de autor falecido que não deixa herdeiros entra imediatamente em domínio público, assim como aquelas que não tem autor conhecido.

Após o prazo, a obra entra em um estado denominado domínio público, em que qualquer uso que preserve a integridade e paternidade da obra é autorizado ex vi lege. Não há necessidade de pedir ou pagar nada a ninguém, especialmente ao Estado.

Ressalva importante. Os direitos patrimoniais se extinguem no domínio público, mas os morais não. Aquele que usa a obra que está em domínio público é obrigado a respeitar a paternidade e a integridade. Em caso de desrespeito, caberá ao Estado o ônus de assegurar que seja cessada a utilização ilícita da obra.

É um erro entender que esse ônus do Estado em defender a paternidade e a integridade da obra em domínio público transferiria para ele as faculdades inerentes ao direito de autor. Domínio público não é sinônimo de patrimônio do Estado.

Não se tem um estudo aprofundado sobre a natureza jurídica do domínio público. Alguns dizem que é uma situação normal do direito de autor, outros fazem um paralelo entre o domínio público e as restrições que a propriedade sofre em razão da função social obrigatória.

O Brasil não adota o chamado domínio público remunerado, que seria uma taxa paga ao Estado pelo uso da obra em domínio público. A opção por esse sistema reconhece que o domínio público existe para devolver à sociedade a obra que, de certa forma, ela "ajudou" a criar. Cobrar por isso seria um retrocesso, visto que dificultaria a circulação da obra que mereceu ser lembrada depois do prazo. Reconhece, outrossim, que cobrar pode significar censura encoberta ou dirigismo intelectual, afinal, o Estado poderia escolher as obras que custariam mais ou menos para serem publicadas. Ou pior, exigir uma autorização para publicação que poderia ser negada.