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Direito de sequência e sua transmissibilidade

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Atualizado em 14 de setembro de 2018 14:27

Luciano Andrade Pinheiro e Carolina Diniz Panzolini

Em 23 de abril de 2018 publicamos nesta coluna um texto sobre o conceito e características do direito de sequência. Esse direito confere ao autor de obras de artes plásticas prerrogativa de participação na exploração econômica de sua obra em caso de revenda. Na lei brasileira, por exemplo, quando há alienação de arte visual ou manuscrito originais, o autor faz jus ao percentual de no mínimo 5% sobre o lucro obtido com a nova venda.

O direito de sequência está previsto no art. 38 da lei 9.610/98 de Direito Autoral e há uma discussão na doutrina sobre a questão da possibilidade de sua transferência mortis causa. Em outras palavras, os autoralistas se posicionam a favor e contra o direito de o herdeiro em suceder esse direito do autor falecido.

No mencionado texto, nos posicionamos desta forma sobre a questão: quanto à transmissibilidade, a lei brasileira é vaga, de que resultam dúvidas quanto à possibilidade de transmissão mortis causa, especialmente face à controvérsia doutrinária e legal acerca da natureza jurídica do instituto. Nesse sentido, considerado um direito patrimonial, o direito de sequência é transmissível. Considerado um direito moral, mormente sejam explícitas as razões de ordem social que o fundamentam, não deve ser transmissível, como também não pode ser alienado ou renunciado. A origem do instituto, no entanto, é francesa e, na origem, trata-se de direito transmissível.

Essa discussão parece ter chegado a uma solução, ao menos no campo da jurisprudência. O STJ decidiu que o direito de sequência é apropriável pelos herdeiros. O julgamento se deu no RESP 594526 envolvendo o sucessor João Candido Portinari e o Banco do Brasil. A decisão teve esta ementa:

CIVIL E PROCESSO CIVIL. DIREITO DE SEQÜÊNCIA (DROIT DE SUITE) DE HERDEIROS. POSSIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE, POR ESTA CORTE, DA SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DANOS MORAIS. REVISÃO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO. 1. O direito de seqüência, ou droit de suite, consiste no direito do autor da obra original, ou seus herdeiros, em caráter irrenunciável e inalienável, de participação na "mais valia" que advier das vendas subsequentes dos objetos que decorrem de sua criação. Objetiva a proteção do criador intelectual e sua família em relação à exploração econômica da obra. 2. Os artigos 39 e 42 da Lei 5988/73 c/c artigo 14, ter, do Decreto 75.699/75 não afastam o direito de seqüência quando a peça original é alienada, pela primeira vez, por herdeiro do autor intelectual da obra, pois a própria norma define que, em caso de morte, os herdeiros gozarão do mesmo direito. 3. O direito de seqüência tem natureza jurídica patrimonial, e como tal passível de transmissão causa mortis aos herdeiros (art. 42, § 1º, da Lei 5.988/73). 4. É cabível, portanto, a indenização aos herdeiros decorrente da "mais valia" pela venda posterior da obra de arte, quando obtida vantagem econômica substancial pela exploração econômica da criação. 5. Em relação ao alegado dano moral, a revisão das conclusões realizadas com base no arcabouço fático-probatório delineado nas instâncias ordinárias é vedada em sede de recurso especial. Incidência da Súmula 7/STJ. 6. Não tendo o recorrente apontado nenhum dispositivo legal supostamante violado em relação à alegada preclusão da decisão saneadora que teria enfrentado a questão da decadência, incide as Súmulas 282 e 356/STF. 7. É vedada a esta Corte apreciar violação a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. (REsp 594.526/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/04/2009, DJe 13/4/2009)

A lei mencionada na decisão (5.988/73) já foi revogada, mas era aplicável aos fatos discutidos naqueles autos. A atual 9.610/98 contém disposição com texto muito próximo da anterior no que concerne ao direito de sequência. Em comparação os dois diplomas na parte que interessa:

Art. 39 da lei 5.988/73:

Art. 39. O autor, que alienar obra de arte ou manuscrito, sendo originais ou direitos patrimoniais sobre obra intelectual, tem direito irrenunciável e inalienável a participar na mais-valia que a eles advierem, em benefício do vendedor, quando novamente alienados.

Art. 38 da lei 9.610/98

Art. 38. O autor tem o direito, irrenunciável e inalienável, de perceber, no mínimo, cinco por cento sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado.

A celeuma doutrinária existente sobre a transmissibilidade do direito residia basicamente em dois aspectos presentes em ambos os dispositivos. O primeiro é o uso do vocábulo "autor", fato que ensejaria opção do legislador em excluir o sucessor. O segundo é a presença, também em ambos, das expressões "irrenunciável" e "inalienável" a indicar que esse direito estava no espectro moral dos direitos do autor que são, a rigor, intransmissíveis.

Assim, a despeito da decisão do STJ ter se pautado na lei revogada (5.988/73), entendemos que ela pode ser aplicada na interpretação da lei atual, porque a premissa (direito de sequência) é a mesma e os termos dos dispositivos são idênticos nos aspectos fulcrais da controvérsia doutrinária.

Vale repetir, por oportuno, nossas conclusões anteriores. O Brasil tem um grande potencial criativo na área de artes visuais, razão pela qual o direito de sequência deveria ser efetivamente respeitado e aplicado no mercado de arte, nos termos do artigo 38 da lei 9.610/98, de maneira que o respectivo autor receba rendimentos advindos de cada revenda. A transmissão desse direito aos herdeiros e aos sucessores revela sobremaneira uma necessidade de aplicação real desse direito.

É tempo de conferir ao autor de obras de artes visuais a possibilidade do de perceber contraprestação pecuniária em face da valorização da sua obra. Há que se diminuir o abismo entre a criação de uma obra única e a sua exploração econômica. É uma questão de justiça e, sobretudo, de dignidade humana.