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Usucapião administrativa: a não incidência do ITBI

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Atualizado às 08:19

Vitor Frederico Kümpel e Bruno de Ávila Borgarelli

Neste texto dá-se continuidade à série de colunas sobre a usucapião extrajudicial. Já se discorreu sobre diversos problemas operativos envolvendo essa figura. Para esta parte, quer-se abordar a importante questão da incidência - ou não - do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) quando da consumação dessa modalidade de usucapião. Em outros termos, trata-se de avaliar se a usucapião administrativa constitui fato jurídico apto a atrair a incidência da norma tributária relativa.

O ITBI é tributo de competência municipal (art. 156 da CF/88). Seu fato gerador constitui-se pela efetiva transmissão inter vivos da propriedade imóvel, ou ainda de direito real - excetuados os de garantia - sobre bem imóvel. Há questões importantes envolvendo esse tributo, como o que diz respeito à sua base de cálculo, sobre o que já se falou em outra ocasião1.

Recorde-se que é apenas com o registro imobiliário que, no ordenamento brasileiro, a propriedade se transfere, de modo que é na fase registral que pode ser exigido o ITBI. Ordinariamente, é a transmissão proprietária o fato gerador mais usual do imposto. Para responder à pergunta aqui formulada, então, é preciso saber se a modalidade de usucapião extrajudicial constitui uma espécie de transferência dominial.

A usucapião, como se sabe, é meio originário de aquisição da propriedade. Além disso, não há, nos modelos conhecidos de usucapião, uma qualquer transferência, mas, isto sim, uma consolidação da situação jurídica dada com a prescrição aquisitiva. Daí a conhecida não incidência do ITBI nessas usucapiões.

A bem dizer, acredita-se que há formas puras de aquisição originária da propriedade (caso da usucapião) e formas impuras dessa aquisição, como a que se dá com a adjudicação e a arrematação. Essas formas ditas impuras, na realidade, podem atrair algumas situações jurídicas de continuidade-disponibilidade, eventualmente aptas a receber uma incidência tributária. Tais situações seriam interiores a um sistema de consenso, e não propriamente de causalidade.

O que se poderia legitimamente pensar, então, a respeito da usucapião extrajudicial, é que a necessidade de anuência dos titulares de imóveis confrontantes ao usucapiendo, ou ainda dos titulares de direitos reais sobre o próprio imóvel, perfaz uma espécie de concordância relativa a uma transferência proprietária.

Recorde-se: a lei 13.465/17 veio corrigir alguns problemas práticos relativos à usucapião administrativa tal qual inserida, pelo NCPC, no art. 216-A da lei de registros públicos, como o da presunção de discordância dos titulares referidos. Com a normativa de 2017, o silêncio desses agentes, no prazo determinado por lei, passa a ser interpretado como concordância. Trata-se da nova redação dada ao § 2º do art; 216-A da LRP:

"Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como concordância"

Como já se afirmou, é possível entrever nessa regra uma inconstitucionalidade, na medida em que faz correr uma presunção de anuência na perda da propriedade, o que pode ser visto como atentatório a esse direito assegurado constitucionalmente.

Mas, o que importa focalizar, aqui, é justamente essa manifestação dos titulares confrontantes e afins. Não poderia ser vista como um acordo de vontades - negócio jurídico - relativo à transferência do imóvel, atraindo a incidência do ITBI?

Entende-se que não. Na usucapião extrajudicial, a anuência - ainda que presumida - dos titulares em questão não afasta a eficácia meramente declaratória da decisão administrativa. Esta não tem eficácia constitutiva de um direito. O registro, de seu turno, confere oponibilidade erga omnes ao direito, mas não lhe constitui. Assim, "o fato de o art; 216-A prever a necessidade de anuência expressa dos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel não é suficiente para fazer nascer o ato de transmissão da propriedade. Referida concordância expressa seguramente não se consubstancia em negócio jurídico bilateral"2.

Diante disso, é descabida a cobrança de ITBI no procedimento de usucapião administrativa.

Sejam felizes! Até o próximo Registralhas!

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1 KÜMPEL, Vitor Frederico; ÁVILA BORGARELLI, Bruno de. Base de cálculo do ITBI: Um problema importante para o Direito Notarial-Registral. Migalhas 30 jan. 2018. Disponível em: clique aqui.

2 BRANDELLI, Luiza Fontoura da Cunha. O ITBI na usucapião administrativa. Revista de Direito Imobiliário, vol. 81, jul.-dez. 2016.