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Nicole Dreyfus, a consistência das convicções

Desta vez, cuidarei de uma advogada francesa, que nasceu em 26 de maio de 1924, na cidade de Mulhose, e faleceu em Paris no dia 11 de fevereiro de 2010. A geração a que ela pertenceu, vocacionada à carreira jurídica, produziu uma plêiade de advogados propensos à causa humana.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Atualizado em 24 de junho de 2010 09:45


Nicole Dreyfus, a consistência das convicções

Jayme Vita Roso*

"Quando se incita o ódio, acaba-se por queimar pessoas." (H. Heine, poeta)

Desta vez, cuidarei de uma advogada francesa, que nasceu em 26 de maio de 1924, na cidade de Mulhose, e faleceu em Paris no dia 11 de fevereiro de 2010. A geração a que ela pertenceu, vocacionada à carreira jurídica, produziu uma plêiade de advogados propensos à causa humana. Equiparo-a a Sobral Pinto. Firmes, ambos, em suas convicções políticas, ela comunista. Esses profissionais não existem mais.

Originária da Alsácia, descendia dos primos do celebérrimo capitão Alfred Dreyfus (1859 - 1935), protagonista nos primórdios do século passado, de um episódio que a história francesa marca e inscreve como a consagração da consciência do anti-semitismo e a necessidade de seu enfrentamento/superamento.

Nicole formou-se em 1946, passou a militar no PC e, em 1956, começou a praticar a advocacia fervorosamente no combate ao anti-colonianismo, na defesa de militantes algerianos (FLN), até o inicio da década de 60. Pugnou pela imprescritibilidade de crimes cometidos na Algéria. Sem cessar, sua luta para responsabilizar os militares pelo desaparecimento de militantes, tentando, em vão, obter informações dos órgãos de segurança de seu país, como frustrada sua luta para abrir uma investigação judiciária por crime contra a humanidade e seqüestro dos militantes desaparecidos. Nunca cessou essa batalha, pois, passados quarenta anos, em 2000, Nicole assina com doze personalidades um manifesto intitulado "Apelo para condenar a tortura na guerra da Algéria", que foi encartado como mote do livro "La question", de Josette Audin, Germaine Tillien e outros historiadores.

Célebre ficou sua frase, que pode ser aplicada ao ocorrido no Brasil, assim construída: "Não penso que se possa obter no plano penal, é muito tarde (prescrição). Mas, no fundo, o que importa, é o reconhecimento de uma condenação no plano moral e no político da existência da tortura durante a guerra da Algéria".

Sua militância levou-a a defender os dirigentes nacionalistas da África do Sul e os responsáveis pela oposição ao regime dos coronéis gregos. Observadora judiciária de vários acontecimentos em muitos países onde os direitos humanos eram suprimidos, bem como em movimentos grevistas (Renault), como defendeu um médico acusado injustamente no caso que abalou a França sobre o sangue contaminado (1992/1993).

Amiga de Jacques Vergè, que abandonou o PC, para optar pela advocacia mediática, como pude constatar, e permanece até hoje em manchetes, apesar de ter quase noventa anos. Dois temperamentos, atados, todavia, por uma amizade sadia e respeitosa.

Nicole, embora judia, não era religiosa, mas, pelo que pesquisei, manteve a memória preservada e compartilhou da consciência coletiva fundada na História, como também foi solidária com Israel, sem deixar de reconhecer os direitos dos palestinos. Ela absorveu a lição de Paul Johson, da sua monumental História dos Judeus, "eles possuem e detém a lei da sobrevivência".

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*Advogado e fundador do site Auditoria Jurídica




 

 

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