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O caso da nomeação de um casal no STF e aplicação das súmulas vinculantes

Os meios de comunicação recentemente anunciaram que o Presidente do STF admitiu a contratação de dois servidores para o exercício de cargos distintos no Tribunal. Um deles foi contratado para chefiar as coordenadorias de processamento de recursos, enquanto o outro para a área de segurança de instalação e transporte.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Atualizado em 23 de julho de 2010 11:37


O caso da nomeação de um casal no STF e aplicação das súmulas vinculantes

Bruno Moreira Kowalski*

Os meios de comunicação recentemente anunciaram que o Presidente do STF admitiu a contratação de dois servidores para o exercício de cargos distintos no Tribunal. Um deles foi contratado para chefiar as coordenadorias de processamento de recursos, enquanto o outro para a área de segurança de instalação e transporte. A notícia ganhou relevância em razão dos servidores serem marido e mulher.

Diversas vozes, inclusive a OAB, se levantaram contra as referidas contratações argumentando que elas viriam de encontro com o que o próprio STF havia decidido ao proclamar a Súmula Vinculante 13. Para esta corrente, que interpreta de forma equivocada o verbete anunciado pelo Supremo, as contratações seriam ilegais porque, em se tratando de cônjuges, o vínculo deles com o órgão contratante consistiria na prática de nepotismo.

Ocorre que este entendimento, evidentemente, não prevalece ante uma leitura mais atenta da Súmula e, notadamente, de seu real significado e dos precedentes que deram origem a sua edição. A Súmula é suficientemente clara ao dispor que a contratação que ofende o princípio da moralidade - insculpido no artigo 37 da CF/88 e adotado como fundamento para erigir o nepotismo à categoria de ato ilícito - se revela quando a relação de parentesco ocorre entre a própria autoridade nomeante (ou outro servidor da mesma pessoa jurídica) e a pessoa contratada, ou ainda naquelas hipóteses em que o servidor contratado para certo órgão mantém relação de parentesco com autoridade lotada em órgão distinto (nepotismo cruzado, tratado pela Súmula por designações recíprocas).

A Súmula Vinculante 13, por traduzir o princípio da moralidade administrativa no âmbito das contratações pelos Três Poderes da República, tem como finalidade coibir que as relações de parentesco sejam o motivo das admissões. Na esteira dos precedentes invocados pelo Supremo que culminaram com a edição do verbete, a vedação é quanto ao ato de nomeação que tenha sido motivado pelo parentesco entre a autoridade nomeante (ou outra autoridade da mesma pessoa jurídica) e o servidor admitido, e não quanto à circunstância de dois parentes trabalharem no mesmo órgão.

A contratação feita pelo Presidente da Suprema Corte, portanto, não traduz qualquer ilegalidade. Os cônjuges vão exercer suas funções sem manter qualquer relação de hierarquia entre si e, principalmente, eles não mantêm qualquer grau de parentesco com a autoridade nomeante ou com qualquer outro servidor do Tribunal.

Esta exortação é importante, na medida que, aponta a necessidade de que sejam afastadas as interpretações que, de algum modo, possam não traduzir a real finalidade proclamada pelo STF, o que se deduz a partir da interpretação teleológica dos verbetes bem como do estudo dos precedentes que autorizaram a sua edição. A atividade normativa do STF não pode ser feita ao sabor das circunstâncias porque o que a legitima é a própria jurisprudência do Tribunal consolidada a partir de julgamentos cujo conteúdo está à disposição de qualquer interessado.

O caso bem ilustra, portanto, a necessária precaução que juízes, advogados e administradores públicos devem ter com a interpretação e aplicação das súmulas vinculantes, especialmente porque a incidência da orientação do Supremo em casos concretos implica na supressão da via recursal, conforme determina o CPC (art. 518, §1º). Assim, a adoção de mecanismos de efetividade dos pronunciamentos emanados da Suprema Corte exige necessariamente maior cautela na sua aplicação por parte dos operadores do Direito, afim de que não se afastem do conhecimento das instâncias judiciais superiores casos que, por suas peculiaridades, se diferenciam das situações visadas pela orientação jurisprudencial dominante ou da súmula vinculante - e justamente por essa diferenciação merecem ser julgados segundo ótica nova. O que fica claro do caso ocorrido com a nomeação do casal no STF é que a aplicação de súmulas vinculantes e de precedentes jurisprudenciais exigirá dos operadores jurídicos (magistrados, advogados, promotores) uma atitude mental ativa, para que não se cometam injustiças atribuindo-se soluções de um caso para outro que se diferencia relevantamente. Súmulas vinculantes e precedentes jurisprudenciais não diminuem o trabalho intelectual dos operadores jurídicos, apenas antecipam o desfecho da decisão judicial para os casos tratados nos precedentes.

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*Advogado do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Sociedade de Advogados

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