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Lei da ficha limpa e o império das surpresas: direito não é matemática

Três surpresas ganharam protagonismo no julgamento, pelo STF, da Lei da Ficha Limpa. Elas comprovaram, uma vez mais, que o direito não é matemática. A primeira surgiu logo no seu princípio, quando o ministro Cezar Peluso levantou uma questão preliminar no sentido de que a lei não teria valor jurídico, em razão da existência de vícios formais.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Atualizado em 26 de outubro de 2010 14:41


Lei da ficha limpa e o império das surpresas: direito não é matemática

Luiz Flávio Gomes*

Três surpresas - dentre outras - ganharam protagonismo no julgamento, pelo STF, da Lei da Ficha Limpa. Elas comprovaram, uma vez mais, que o direito não é matemática. A primeira surgiu logo no seu princípio, quando o Presidente da Corte (ministro Cezar Peluso) levantou uma questão preliminar no sentido de que a lei não teria nenhum valor jurídico, em razão da existência de vícios formais no momento da sua tramitação no Senado Federal. O projeto foi aprovado inicialmente na Câmara dos Deputados e sua redação tornava inelegíveis os candidatos que "tenham sido condenados" por uma das infrações e na forma descrita na referida lei.

Esse texto foi modificado pelo Senado Federal por proposta do Senador Francisco Dornelles e a redação final transformou-se para "os que forem condenados". De acordo com o ponto de vista do Presidente do STF teria havido uma modificação radical no projeto de lei e isso, de acordo com o processo legislativo constitucional vigente, exigiria o seu retorno para a Câmara dos Deputados. Não teria ocorrido um mero ajuste de redação, sim, uma alteração essencial no projeto.

Dois motivos nos levam a adotar posição contrária à do eminente ministro Peluso. Em primeiro lugar, a alteração da redação foi puramente formal. No ordenamento jurídico brasileiro nós encontramos incontáveis dispositivos legais que ora dizem "os que tenham sido condenados" e ora dizem os "que forem condenados". Trata-se de questão estritamente formal, que não chega a permitir nenhum questionamento de inconstitucionalidade, por essa razão. Acrescente-se que qualquer que tivesse sido a redação sempre seria exigível uma interpretação por parte do Judiciário. Portanto, não parece acertado que o STF deixe de analisar o mérito da ação em julgamento, prendendo-se a aspectos formais. O que todos estamos aguardando é a sua interpretação final, que deve ser conforme a Constituição.

Em segundo lugar, no modelo processual brasileiro o juiz não pode atuar de ofício, salvo em situações extremamente peculiares e devidamente contempladas na lei, como é o caso da concessão de habeas corpus de ofício, em favor do réu, em casos de patente constrangimento ilegal contra a liberdade do indivíduo. Por força do sistema acusatório, que faz parte da essência do nosso Estado de Direito, o juiz somente pode atuar quando devidamente provocado. As partes, neste caso da lei da ficha limpa, não argüiram absolutamente nada relacionado à inconstitucionalidade formal. Logo, não nos parece acertado o argumento do ministro Peluso no sentido de que todos os ministros deveriam votar antes a questão da validade formal da lei.

O que mais importa e o que todo país está esperando é, sem sombra de dúvida, o julgamento do mérito da questão, ou seja, saber se a lei da ficha limpa é - ou não - aplicável às eleições deste ano de 2010. É isso que gerará grande repercussão nacional. A decisão do Supremo, de outro lado, pode também interferir no voto dos eleitores, na troca de candidatos e no resultado das eleições.

A segunda surpresa - até certo ponto previsível - foi o empate na votação (5x5). A terceira consistiu em o Ministro Peluso ter se recusado a votar pela segunda vez ou fazer valer o seu como "voto de qualidade" ("não tenho pendor para déspota", teria dito). O julgamento foi suspenso e, logo em seguida, veio a notícia da renúncia da candidatura de Roriz. A ação pendente de julgamento final perdeu seu objeto. O STF, nesse caso, terá que firmar seu posicionamento em outra ação.

Não há dúvida, diante de todo exposto, que a decisão de mérito do STF continua sendo aguardada, até mesmo com muita ansiedade, por todos os que estamos atentos ao processo democrático brasileiro. De qualquer modo, uma coisa é certa: a lei é constitucional (isso já foi um avanço). Quem imaginou o contrário se frustrou. As possíveis soluções para o desempate são as seguintes: (a) fazer valer o "voto qualidade" do Presidente; (b) a proclamação contrária à pretendida (o pedido seria negado) e (c) aguardar o voto do 11º ministro (ainda não nomeado).

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*Diretor Presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes







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