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Compliance e lei anticorrupção

Temas relacionados com o compliance ganham acentuada importância no âmbito do Direito Penal e no denominado Direito Administrativo Sancionatório.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Atualizado em 28 de outubro de 2013 14:44

Temas relacionados com o compliance ganham acentuada importância no âmbito do Direito Penal e no denominado Direito Administrativo Sancionatório.

Na AP 470 ("Mensalão"), para exemplificar, o instituto foi mencionado em diversas oportunidades. Compliance, hoje já não há mais novidade, deriva do termo da língua inglesa "comply", a significar ato ou procedimento para assegurar o cumprimento das normas reguladoras de determinado setor. Nos âmbitos institucional e corporativo, compreende um conjunto de comportamentos para fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas e as diretrizes estabelecidas para o negócio e para as atividades da instituição ou empresa, bem como evitar, detectar e tratar qualquer desvio ou inconformidade que possa ocorrer. Natural, portanto, sua relação com o Direito Penal, ao menos no que diz respeito à possibilidade de imposição de sanções a partir do descumprimento das referidas normas reguladoras dos comportamentos esperados de determinado setor.

No campo do Direito Administrativo Sancionatório crescente é o recrudescimento das sanções. As denominadas lei da improbidade administrativa (lei 8.429/92) e lei da ficha limpa (LC 135/10) constituem vigentes exemplos. Severíssimas são as suas sanções, que ostentam características que as qualificam além de meras sanções civis e administrativas.

Nesse particular, o compliance tem reforçada sua já expressiva importância, principalmente se considerarmos a edição da lei 12.846 de 1º/8/13, pois uma de suas funções também é detectar qualquer possível desvio em relação à política interna de empresas privadas no seu relacionamento com o setor público. Objetiva reforçar ainda mais a necessária segurança aos sócios e investidores em suas aplicações e orientações, fazendo-se cumprir as diretrizes que traçaram, evitando problemas de imagem e jurídicos.

A questão do adequado compliance já tem a sua prática bem delineada no mundo corporativo em razão da necessidade de observância das regras do FCPA - Foreign Corrupt Practices Act of 1977, sendo certo que as corporações que possuem alguma interface com o mercado norte americano já reforçaram sensivelmente suas políticas de compliance para estarem em plena conformidade com o FCPA.

Também a nova lei do Cade (12.529/11), veio a dar um significativo reforço às práticas de compliance, tudo de modo a incentivar a prevenção de atos que possam gerar ilícitos e danos à imagem e reputação das pessoas jurídicas.

A lei 12.846/13 se soma ao atual contexto normativo e reforça a necessidade da adoção de boas práticas de compliance, permitindo, inclusive, a imposição de sanções de forma direta. Considerando a aprovação da referida lei, que responsabiliza civil e administrativamente as pessoas jurídicas por atos contra a administração pública, essencial é aprimorar ainda mais as políticas de compliance, considerando o natural envolvimento entre empresas particulares e o setor público, que, em parceria, desenvolvem grandes projetos relacionados com a geração de energia, transporte e desenvolvimento de cidades em suas mais variadas necessidades, as quais vão do lazer à construção de hospitais. Tal convicção fica reforçada e jamais poderá ser ignorada, pelo teor de seu art. 7°, que se transcreve:

Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:
...
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;
...
Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo Federal.

Não se olvide, ainda, a previsão dos acordos de leniência, previstos no art. 16, incisos I e II do no diploma, intimamente relacionados com os dispositivos acima transcritos.

Há muito mais ainda a considerar. Algumas perguntas revelam esse confronto. Para exemplificar poder-se-ia indagar em que medida as novas sanções não se chocariam ou teriam sido substituídas pelas sanções anteriores previstas, v.g., na lei da improbidade administrativa? Como tratar das prescrições de fatos já ocorridos? Seriam diversas as sanções ou teríamos apenas um agravamento daquelas? E a cumulação de sanções? E os acordos de leniência? Podem eliminar eventual possibilidade de denúncia na esfera penal, a exemplo do que ocorre no âmbito antitruste, conforme previsto na nova Lei do Cade?

Circunscrevendo as considerações às políticas de compliance, alguns cuidados passam a merecer atenção ainda maior, principalmente os relacionados a colher e organizar dados sobre empregados, clientes (de quaisquer natureza) e seus principais empregados (aqueles que detém poder de decisão) na contratação com a administração pública. A comunicação interna, dentro da pessoa jurídica, torna-se imperiosa e, assim, o investimento nesse setor, a fim de que as informações circulem com a velocidade necessária e se mostrem como atividade antecedente a qualquer relação com o poder público. Ainda, detectada qualquer atividade ilícita por parte de um colaborador da pessoa jurídica, faz-se imprescindível a imposição das sanções disciplinares cabíveis de forma imediata, a fim de que se pense na denominada "dosimetria" de eventuais sanções previstas na lei 12.846/13, após o respectivo processo administrativo, que, obviamente (e a lei referida o garante), há de se realizar em contraditório, permitindo a ampla defesa.

A lei 12.846/13 será acomodada no espaço do referido Direito Administrativo Sancionatório, a ele se integrando. Sem prever, propriamente, sanções de natureza penal, veicula preceitos que, comprovadas as práticas vedadas, proporcionam a imposição de graves sanções aos que se relacionam com a administração pública. Esse contexto fortalece a já observada necessidade de desenvolvimento das áreas de compliance nas organizações. Não foram poucas as grandes empresas que criaram, mercê de seu constante relacionamento com a administração pública, setores internos de auditoria e compliance.

A lei 12.846/13 ficará conhecida como a lei anticorrupção. O signo já representa fortíssima reprimenda que certamente ganhará amplo espaço para a exploração midiática.

Contudo, seu objeto é bem maior, conforme se lê em seus arts. 1º e 5º, que apresentam condutas1 que vão além da descrição de tipos penais similares ao delito de corrupção. Mas, sabe-se também que, popularmente, diversas das condutas ilícitas que são perpetradas contra a administração pública são conhecidas simplesmente como "corrupção". Agora, com a inovação legal que menciona a administração pública nacional ou estrangeira como potenciais vítimas dessas condutas, esse adjetivo deve ganhar força, ainda que sem qualquer rigor jurídico no emprego da expressão. Tal constatação constitui apenas um simples exemplo de prejuízo à imagem de uma empresa.

Estas reflexões, meras introduções ao complexo estudo da interface existente entre o campo do direito penal, o do direito administrativo sancionatório e o da gestão sustentável, denotam o quão importante é a compreensão e aplicação das políticas de compliance, sendo que este norte é um fator diferencial que cada vez mais passa a ser elemento indispensável para que as empresas, no adequado zelo à sua imagem e reputação, atinjam o famoso oceano azul; tão bem descrito nas palavras de Kim e Mauborgne, em seu clássico "A estratégia do oceano azul" (Elsevier, Rio de Janeiro, 2005), o qual encantou gestores do mundo todo, não tendo se limitado aos nobres corredores da famosa Universidade de Harvard.

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1 - Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional. § 1o Considera-se administração pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro. § 2o Para os efeitos desta Lei, equiparam-se à administração pública estrangeira as organizações públicas internacionais. § 3o Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta Lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.

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* Elias Marques de Medeiros Neto é Diretor Jurídico da Cosan.




* Jose Marcelo Menezes Vigliar é advogado do escritório Lucon Advogados.




* Paulo Henrique dos Santos Lucon é professor de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da USP e advogado do escritório Lucon Advogados.










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