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Pizzolato e o direito internacional

A extradição é o instrumento mais adequado para que o governo brasileiro obtenha a entrega de Pizzolato, mas, como se viu, a Itália poderá negar a entrega.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Atualizado às 08:24

A recente prisão de Henrique Pizzolato na Itália é mais uma oportunidade para se trazer o direito internacional para fatos do dia-a-dia. Muito tem sido dito e questionado a respeito e parece oportuno trazer alguns esclarecimentos a respeito de alguns aspectos jurídicos envolvidos no caso.

Como se sabe, Henrique Pizzolato foi um dos condenados na Ação Penal 470, sendo-lhe imputada a pena de 12 anos e 7 meses de prisão, em regime fechado. De todos os condenados, foi o único a fugir do país. Quando se constatou a fuga, a Polícia Federal incluiu o seu nome na chamada lista vermelha da Interpol, disponível no próprio site do órgão e que inclui muitos outros brasileiros e estrangeiros procurados pelo país.

Como resultado, as autoridades italianas informaram que efetivaram a sua prisão em território italiano. No momento da prisão, Pizzolato teria apresentado documento falso. Questiona-se agora a possibilidade de retorno do condenado ao Brasil.

A primeira alternativa é a solicitação de sua extradição. Trata-se da medida mais antiga de cooperação jurídica entre países e compreende um requerimento entre dois países (Estado requerente, Brasil, e Estado requerido, Itália) para que um indivíduo, que esteja no território do Estado requerido seja entregue ao Estado requerente para lá responder a processo ou cumprir pena. Como as autoridades de um país não têm jurisdição para efetivar essa prisão diretamente, em razão da soberania territorial do Estado estrangeiro, recorre-se a esse importante e muito utilizado instrumento de cooperação. Vale notar que se trata de medida entre governos e não entre Judiciários: cabe ao Executivo formular o pedido de extradição ativa, não ao STF.

Ressalte-se também que, normalmente, cada país tem regras internas sobre o procedimento além de tratados bilaterais ou plurilaterais com outros países. No caso em questão, Brasil e Itália possuem um tratado de extradição, firmado em 1989 e em vigor a partir da década de 90. Ademais, a Itália possui regras previstas em sua Constituição e legislação ordinária. Especificamente no caso, discute-se se Pizzolato poderá ser extraditado em razão de sua dupla nacionalidade (ele é brasileiro e italiano). A Constituição italiana, em seu art. 26, estabelece uma proibição de extradição de nacionais, salvo se prevista em tratados firmados pela Itália. Essa norma difere da regra constitucional brasileira que impede a extradição de brasileiros natos em qualquer caso, admitindo somente a extradição de brasileiros naturalizados em caso de comprovado envolvimento de entorpecentes e drogas afins, exceção cuja aplicabilidade, segundo o entendimento do STF, ainda carece de norma regulamentadora. Portanto, até o momento, como regra, o Brasil não extradita nacionais de qualquer natureza.

O tratado de extradição, por sua vez, em seu art. 6º, considera que cada Estado poderá recusar o pedido de extradição do outro no caso de extraditando nacional. Portanto, se de um lado não se trata de uma obrigação internacional assumida entre os Estados de extraditar os seus nacionais, por outro lado, não significa uma proibição. Assim, a decisão ficará na esfera do poder discricionário das autoridades italianas. Caso decidam não extraditar, não se poderá dizer que estarão violando regras convencionais, pois a recusa é prevista e admitida.

Também se comenta que possivelmente a Itália negará a extradição em retaliação ao caso Battisti, que envolveu um pedido formulado pelo governo italiano e não acolhido pelo Executivo brasileiro. Todavia, de 2008 até o presente momento, o STF apreciou a legalidade de 22 pedidos de extradição feitos pelo Governo da Itália, deferindo total ou parcialmente 17, havendo ainda 2 desistências informadas pela Itália. Vale dizer: o STF só indeferiu 3 pedidos de extradição (além de um pedido de extensão de extradição) nesse período. Salvo o caso Battisti, não se tem notícia de extradição autorizada pelo STF e não efetivada. O saldo é, portanto, bastante favorável.

Especula-se também, em razão das notícias divulgadas, se Pizzolato também não será punido na Itália pela utilização de passaporte italiano falso (Pizzolato utilizou-se de passaporte em nome de seu irmão morto). Sem dúvida trata-se de uma possibilidade, já que ele também cometeu crime passível de punição pelas leis locais. Nesses casos, caso a extradição para o Brasil seja deferida, é possível que ele primeiro cumpra a pena na Itália por conta do crime punido pelas leis locais e depois seja extraditado para o Brasil. Ou seja, não se trata de impedimento intransponível à extradição.

Caso a extradição não seja possível, já se cogitou também a possibilidade de utilização do mecanismo de transferência de presos. Trata-se de instituto que permite que indivíduos condenados em um país cumpram pena em outro. Todavia, esse instrumento de cooperação não poderá ser utilizado no caso, dentre outras razões porque o tratado firmado entre os países sequer está em vigor.

Por fim, questiona-se a possibilidade de homologação da sentença penal condenatória do Brasil na Itália. Apesar de a homologação de sentenças estrangeiras ser o mecanismo tradicional para se conferir eficácia extraterritorial a uma decisão, raros são os países que admitem a homologação de sentenças penais. A homologação é instrumento largamente utilizado na esfera cível, mas possui aplicação bastante limitada para a esfera penal. No caso brasileiro, por exemplo, o art. 9º do Código penal determina só ser possível a homologação em matéria penal para reconhecimento de efeitos civis e para aplicação de medida de segurança. Essa ainda é a tendência no direito comparado e, portanto, a homologação, na Itália, da decisão do STF não é uma alternativa viável.

Nessas circunstâncias, a extradição é o instrumento mais adequado para que o governo brasileiro obtenha a entrega de Pizzolato. Como se viu, a Itália poderá negar a entrega principalmente por conta de sua nacionalidade italiana. Nesse caso, na hipótese de o governo brasileiro assim o solicitar, a Itália poderá processá-lo pelos mesmos fatos que levaram à condenação no Brasil, conforme previsto no próprio tratado. A legislação interna dos países, além das hipóteses de territorialidade da lei penal, também preveem hipóteses de extraterritorialidade, ou seja, aplicação da lei local a crimes cometidos no exterior e geralmente a nacionalidade do agente do crime é um dos critérios para aplicação da lei penal local. Desse modo, o fato de os crimes terem sido cometidos no Brasil não impossibilitaria o processo italiano.

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* Carmen Tiburcio é professora associada de Direito Internacional Privado e de Direito Processual Internacional da Faculdade de Direito da UERJ. Mestre e doutora em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Virginia, EUA. Consultora de direito internacional e arbitragem de Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados.

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