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A nova lei anticorrupção

Do que trata a nova lei anticorrupção? E mais: terá o novo diploma legal os superpoderes tão desejados pelo povo para combater, erradicar e prevenir a corrupção?

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Atualizado às 08:34

O combate à corrupção: a grande bandeira de todos os movimentos. Sem entrar no mérito da demagogia de algumas falas (afinal, declarar-se contra algo com o que é jurídica e moralmente impossível de se concordar), é inquestionável que a corrupção acarreta prejuízos de imensa monta ao país. Assim, uma lei que se anuncia como um antídoto ao "Mal do País" goza de grandes chances de cair no gosto popular.

Mas do que trata a nova lei anticorrupção? E mais: terá o novo diploma legal os superpoderes tão desejados pelo povo para combater, erradicar e prevenir a corrupção?

Antes de mais nada, é preciso responder: o que é corrupção?

Possivelmente, para a maioria das pessoas, corrupção seja o nome dado a condutas desonestas e que têm por objetivo a obtenção de privilégios, prejudicando benefícios e políticas públicas para a população. Para o CP, corrupção é um crime contra a administração pública, que consiste, em linhas gerais, em oferecer alguma vantagem financeira (a propina) em troca de um favor de um funcionário público (chamada corrupção ativa), ou, sendo funcionário público, aceitar a propina, prometendo algum favorecimento (corrupção passiva). Tanto a corrupção ativa quanto a passiva estão sujeitas a penas que variam entre 2 e 12 anos de reclusão, patamar dos mais elevados de nossa legislação penal.

Pois bem. A nova lei não trata dos aspectos criminais da corrupção, mas sim regula a responsabilização administrativo e civil de pessoas jurídicas, quando constatada a prática de atos de corrupção e ilícitos em licitações e em contratos do poder público federal, estadual ou municipal. O texto estabelece ainda que a responsabilidade das empresas deverá ser objetiva, ou seja: independentemente de dolo ou culpa, as empresas serão responsabilizadas no âmbito civil e administrativo pelas condutas praticadas por seus funcionários e outras pessoas que tenham prestado serviços.

A responsabilização prevê punições severas, tais como o pagamento de multa de até 20% do faturamento da empresa ou, na impossibilidade de aferi-lo, de até R$ 60 milhões, além da publicação da sentença condenatória em meios de comunicação de grande circulação.

A ideia é fazer com que a pessoa jurídica estabeleça normas internas visando maior controle de seus funcionários, por exemplo, criando órgãos internos de fiscalização, estabelecendo programas de treinamento e instalando canais para denúncias de práticas ilícitas.

A intenção é ótima, afinal quem não quer que empresas sejam estritamente atentas às condutas praticadas por seus funcionários e prestadores de serviço, a fim de evitar que estes pratiquem atos de corrupção em seu nome e a seu serviço?

O problema é a forma como isto se dá: o texto legal carece de precisão em diversos pontos, o que pode gerar insegurança jurídica em sua aplicação, e, consequentemente, levar a decisões injustas.

Primeiro, o rol de condutas consideradas lesivas à administração é vasto, e não se estipulam sanções específicas para cada uma das condutas (não obstante haver critérios indicativos para fixar as reprimendas). Isto significa que qualquer das condutas poderá ensejar qualquer uma das punições, ao gosto da autoridade responsável pelo procedimento. Aliás, vale observar que o legislador não determinou qual a autoridade competente para apuração dos ilícitos, limitando-se a falar em "autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário".

Além disso, não é correto nem justo colocar as empresas na posição de garante do Estado. Em uma democracia, o custo do poder de polícia é do Estado - aliás, vale lembrar que tal poder é uma de suas funções precípuas e sua delegação é profundamente questionável. Não parece adequado passar tal ônus para as empresas, devendo-se ainda recear a utilização de uma lei não penal com consequências diretas na conduta criminal do indivíduo, mas sem as garantias existentes na lei penal. Explica-se: uma vez punida a empresa, pouco precisará ser feito para se punir a pessoa física.

Outro ponto importante diz respeito aos acordos de leniência previstos na nova lei: estes acordos consistem na possibilidade de a empresa envolvida negociar a isenção de sanções administrativas e civis por meio da colaboração na apuração da infração (por exemplo, confessando a prática do ilícito). Não há dúvida de que o comportamento de colaboração com a administração para deslindar esse tipo de ilícito deve ser estimulado, mas há que se notar que a nova lei não estabelece que estes acordos devam exercer qualquer efeito em eventual processo criminal decorrente do ilícito administrativo ou civil. Em outras palavras, o texto permite que alguém se veja processado criminalmente por ter produzido provas contra si mesmo ao celebrar um acordo de leniência, pois a lei nada estabelece em relação à questão criminal, e o acordo será entre a pessoa jurídica e a Advocacia Geral da União. E aí indagamos: como assegurar o cumprimento do acordo pelo MP?

O combate à corrupção é necessário e desejável, mas, mais uma vez, o legislador brasileiro privilegia a punição em detrimento da prevenção: é a velha cantilena que pede por severidade das penas, crendo profundamente no poder dissuasório da ameaça da sanção, sem se preocupar em modificar comportamentos e intenções. Há que se tomar cuidado para a lei não acabar sendo pior que a própria corrupção.

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* Roberto Podval é advogado do escritório Podval, Antun, Indalecio, Raffaini, Beraldo e Advogados.







* Maíra Zapater é advogada e professora universitária.

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