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Conselhos "Legislativos"

As limitações à publicidade e à propaganda só podem ser feitas por meio de lei Federal o que significa que há uma reserva legal Constitucional que atribui privativamente à União legislar sobre propaganda comercial.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Atualizado em 7 de maio de 2014 12:42

No dia 4 de abril de 2014 foi publicada no Diário Oficial da União a resolução 163/14 que fora emitido pelo Conanda - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente no dia 13 de março de 2014.

Publicada a resolução o Conanda tratou de divulgar aos quatro ventos que a partir daquela data estava proibida, por ilegal, toda publicidade dirigida a crianças e adolescentes que pudesse ser considerada abusiva nos termos da resolução.

Que publicidade poderia ser considerada "abusiva" nos termos da resolução? Não se requer prática ou habilidade para concluir que toda e qualquer publicidade dirigida a crianças e adolescentes será considerada abusiva, senão vejamos:

Na forma do artigo 2º da resolução considera abusiva (portanto ilegal) a publicidade que tente persuadir crianças e adolescentes a comprar qualquer produto:

(1) com uso de linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

(2) trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;

(3) representação de criança,

(4) pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;

(5) personagens ou apresentadores infantis;

(6) desenho animado ou de animação;

(7) bonecos ou similares;

(8) promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e

(9) promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil.

Para ter certeza que tudo estaria coberto, o Conselho termina o parágrafo com a abrangente expressão "entre outros".Ou seja, fica proibida toda e qualquer publicidade para público infantil ou adolescente.

Talvez no afã de se redimir da tentativa de proibição total de propaganda e publicidade, a resolução traz, em seu artigo terceiro os princípios a serem seguidos na publicidade dirigida a adolescentes que porventura consiga cumprir as limitações impostas pelo artigo segundo. Os princípios aqui colocados, entretanto, como a lista do que se considera abusivo, são tão subjetivas que permitiriam o questionamento de praticamente qualquer publicidade.

Mesmo abstraído o autoritarismo, que ficaria menos absurdo em um "inspetor de quarteirão" do que em órgão ligado à Presidência da República, há que se perguntar se o Conanda teria competência para regular e/ou legislar sobre publicidade.

A resposta é NÃO. De se notar que algumas das razões da falta de competência do Conselho para a regulação pretendida na resolução são informadas no próprio texto da resolução.

Em seu artigo 1º a resolução 163/14 delimita o seu escopo - dispor sobre a abusividade de direcionamento de publicidade à criança e ao adolescente - conforme a previsão do artigo 86 e dos incisos I, III e V do artigo 87 da lei 8.069/90 (ECA).

O que dizem as referidas normas?

A sua leitura, que não requer grande esforço exegético, deixa claro que se trata de Política de Atendimento dos direitos da criança e do adolescente cujas linhas de ação são: (a) políticas sociais básicas; (b) serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; e (c) proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.

Como se verifica facilmente nada nos preceitos antes citados, mesmo remotamente, permite extrair deles uma autorização ou outorga de competência para o controle ou regulação de propaganda e/ou publicidade o que torna a resolução ilegal e, por consequência nula.

É necessário dizer que há uma razão bastante lógica e séria para que o Conanda, ou qualquer outro conselho, agência ou entidade governamental não tenha poderes para criar limitações à propaganda e publicidade. As tentativas de limitação sobre publicidade e propaganda encontram óbice no artigo 220 parágrafo terceiro da Constituição Federal:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

.................................... (omissis) .......................................

§ 3º - Compete à lei federal:

.................................... (omissis) .......................................

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. (grifamos)

Ou seja, as limitações à publicidade e à propaganda só podem ser feitas por meio de lei Federal o que significa que há uma reserva legal Constitucional que atribui privativamente à União legislar sobre propaganda comercial.

Este entendimento já foi confirmado mais de uma vez pelo Poder Judiciário ao julgar Mandados de Segurança contra regulamentação infralegal emitida pela Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que buscava impor limites à publicidade e à propaganda de produtos farmacêuticos de venda livre. (Processo 2009.34.00.041791-9 da 7ª vara Federal do DF; Processo 35301-42.2011.4.01.3400 da 4ª vara Federal do DF; Processo 2009.34.00.021301-9 da 4ª vara Federal do DF e a Medida Cautelar Inominada 0018630-22.2012.4.01.0000 do TRF - 1ª região).

Faz-se necessário, ainda, chamar a atenção para o fato de que a publicidade abusiva já está devidamente regulada pela lei 8.078/90 (CDC) no parágrafo 2º do artigo 37:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

.................................... (omissis) .......................................

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (grifamos)

Não estou, com este artigo, tentando defender qualquer tipo de publicidade ou propaganda abusiva ou enganosa, nem inferindo que elas não existem. Elas existem, não apenas com relação a crianças e adolescentes, mas em relação a quase todos os grupos sociais. Existem e devem ser combatidas com base na legislação que já existe ou que venha a ser criada por quem tem competência legal para tal. Basta exigir o seu cumprimento.

O problema do Brasil não é a falta de legislação, mas a falta de vontade política de fazer com que a legislação existente seja cumprida e um declarado descrédito da sociedade nos Poderes da República que aparentam aceitar e às vezes compactuar com ações e atos ilegais e antiéticos.

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* Marcos Lobo de Freitas Levy é advogado do escritório A. Lopes Muniz Advogados Associados.







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