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Alienação fiduciária e a segurança jurídica

O financiado não pode se achar em posição confortável para inadimplir o empréstimo tendo em mente que o judiciário será leniente com o seu atraso.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Atualizado às 09:20

O Superior Tribunal de Justiça ao analisar o Recurso Especial 1.418.593, e, ao verificar que este trata de matéria que é frequentemente objeto de outros recursos de mesma índole, o submeteu ao procedimento previsto no artigo 543-C do Código de Processo Civil, para que sua decisão repercuta sobre todos os demais recursos pendentes de julgamento.

A questão controvertida se resume em decidir se em Ações de Busca e Apreensão de bens alienados fiduciariamente, deve ser feito o pagamento da íntegra do contrato inadimplido para purgar a mora, ou então, apenas o pagamento das parcelas vencidas.

Para tanto, o ilustre ministro Luis Felipe Salomão determinou a suspensão de todos os processos em que esta questão tenha sido instalada.

Este texto não tem o intuito de questionar tal procedimento, apesar de que, após isso, equivocadamente, alguns juízes tenham determinado indiscriminadamente a suspensão de todas as ações de busca e apreensão mesmo que esta discussão não exista.

É louvável que se queira regular e tornar uniforme o entendimento acerca deste assunto, eis que, de fato, como bem pontuado pelo ministro em sua decisão, esta questão se repete hodiernamente em vários tribunais, e acreditamos que isto tenha ocorrido por uma imprecisão no texto legal, pois deveria ter constado no artigo de lei de forma mais categórica qual era o entendimento adotado.

No texto legal consta que o devedor deve realizar o pagamento da "integralidade da dívida pendente", para que o bem lhe seja restituído sem ônus, o que gerou entre os operadores do direito interpretações divergentes, pois alguns entendiam que deveria ocorrer a quitação de todo o contrato (incluindo as parcelas vincendas), e outros, que bastava honrar com as parcelas atrasadas do financiamento.

Como se sabe, a alienação fiduciária em financiamento de bens móveis, mais comumente de veículos, é vastamente utilizada, pois, representa uma via de mão dupla, haja vista que, ao passo em que a instituição financeira tem maior segurança quanto ao pagamento do financiamento, eis que permanece na propriedade do bem objeto da negociação; o consumidor tem maior facilidade na obtenção do crédito, bem como consegue se financiar com menores taxas de juros no mercado, o que viabiliza a aquisição de veículos, em especial os pesados, que tem custo mais elevado.

É um raciocínio básico em economia, pois, sem confiança no adimplemento da obrigação, as dificuldades para sua obtenção só aumentam (juros altos, maiores exigências de garantias, maior burocracia na concessão do empréstimo, etc.), ou seja, perdem a economia e o consumidor.

Assim, acompanhando esta evolução das garantias na concessão do crédito, as alterações legais caminharam no mesmo sentido, mitigando os riscos do financiador em eventual inadimplemento, emprestando segurança nos empréstimos à juros menores, pois o legislador aperfeiçoou e agilizou a retomada dos bens, possibilitando, por exemplo, que o credor possa alienar prontamente o bem apreendido, no sentido contrário do antigo texto legal onde isto apenas era permitido após o encerramento do processo.

Desta forma, o que buscou o legislador foi acompanhar a evolução dos contratos que formalizam este tipo de financiamento, refletindo diretamente na segurança jurídica dessas operações, auxiliando no fomento à esta importante modalidade de negócio.

O financiado não pode se achar em posição confortável para inadimplir o empréstimo tendo em mente que o judiciário será leniente com o seu atraso. Se isto se confirmar, ações como esta se repetirão, o poder coercitivo do processo será diminuído, uma vez que, na prática, tão logo seja acionado judicialmente realizará apenas o pagamento das parcelas vencidas, porém, confortavelmente, poderá novamente atrasar as parcelas vindouras, sabedor que não ser-lhe-á exigido o pagamento integral do débito pelo vencimento antecipado da dívida.

Isto aumenta os custos das instituições financeiras para recuperação do crédito, o que certamente será revertido em juros mais altos, eis que o empréstimo a negociação passará à ser de alto risco, ou até mesmo ser inviabilizada, em detrimento do que foi criado e aperfeiçoado ao longo do tempo, como dito.

Deve ser destacado que, preliminarmente ao ajuizamento de Busca e Apreensão, por exigência legal, deve o credor por intermediação do Cartório de Títulos e Documentos encaminhar notificação extrajudicial (ou protesto do título) para que o devedor purgue a mora, ou seja, ele tem a opção de realizar, neste momento, o pagamento apenas dos valores em atraso e evitar assim o ajuizamento da ação em seu desfavor.

Referida notificação deve lastrear a petição inicial quando do ajuizamento da ação, ou seja, é requisito para deferimento da liminar da busca e apreensão do veículo.

É importante que tal procedimento seja ressaltado, pois resta evidente que o legislador buscou oportunizar ao devedor a chance de realizar o pagamento extrajudicial quando notificado à fazê-lo, evitando que seja ajuizada uma ação para tanto.

Assim, com a nova redação dada pela lei 10.931/04 que alterou o artigo 3ª, §2º da lei 911/69, quando o legislador dispôs que "o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente" e mais adiante que, feito isso "o bem será restituído livre de ônus", não há outro caminho senão interpretar que o devedor deve realizar nos autos da Busca e Apreensão o pagamento integral do contrato vencido antecipadamente.

Com essa alteração o legislador evidentemente revogou a possibilidade da purgação da mora judicial, haja vista que esta chance já havia sido dada pela forma extrajudicial, e, se fosse apenas o pagamento das parcelas vencidas o bem não seria devolvido sem a constrição da fidúcia, pois as demais parcelas ainda estariam à vencer e deveriam ser pagas regularmente.

Se o bem será entregue livre de ônus, obviamente o contrato foi adimplido, logo, o débito integral previsto contratualmente foi honrado.

Claro que o devedor que se sentir prejudicado não está impedido de ajuizar ação de indenização ou de buscar, por quaisquer outros meios, a reparação de eventuais danos em caso de contratos inadequados ou abusivos.

Ademais, é de se notar que, se a ação de busca e apreensão for improcedente, o credor fica suscetível à pesadas multas judiciais, equivalente à 50% do valor original do bem quando do financiamento, e ainda, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.

É bem verdade que o texto legal poderia ser mais preciso e claro ao exigir que fosse realizado o pagamento da íntegra da dívida por ter se operado o vencimento antecipado do financiamento, evitando, deste modo, contendas desnecessárias, mas, de outro lado, o Superior Tribunal de Justiça por meio de julgado de relatoria do próprio ministro Luis Felipe Salomão (REsp 1226611/PR), se posicionou favoravelmente com o entendimento que "não há mais que falar em purgação da mora uma vez que, sob a nova sistemática, após decorrido o prazo de cinco dias contados da execução da liminar, a propriedade do bem fica consolidada com o credor fiduciário, devendo o devedor efetuar o pagamento da integralidade do débito remanescente a fim de obter a restituição do bem livre de ônus", posição esta que deve ser mantida.

A uniformização sobre a controvérsia corrigirá esse equívoco no texto de lei, atingindo assim a finalidade do artigo 543-B do CPC, qual seja, evitar que outros recursos com base neste mesmo tema sejam interpostos, evitando o atolamento do judiciário com questão já pacificada.

Contudo, cabe alertar que, se for adotada uma posição contrária ao histórico da evolução do dispositivo legal, o resultado poderá ser o oposto ao pretendido, se avolumando o ajuizamento de ações de busca e apreensão, o que certamente abalará o mercado financeiro e desprestigiará essa modalidade negocial.

Assim, deve ser mantido o entendimento legal, para que, uma vez ajuizada a ação de Busca e Apreensão dos veículos, a devolução do bem ocorra apenas quando houver o pagamento da íntegra do débito, e não apenas as parcelas vencidas, sob pena de motivar devedores contumazes à postergar ao máximo o cumprimento de suas obrigações e por em cheque ou tornar impraticáveis os contratos com garantia fiduciária, causando atolamento do judiciário com ações desta natureza, consequência diversa da que, evidentemente busca o Superior Tribunal de Justiça ao adotar à uniformização da jurisprudência deste assunto.

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* Rafael Bezzerra é advogado do escritório CMMM - Carmona Maya, Martins e Medeiros Advogados.

Carmona Maya, Martins e Medeiros Sociedade de Advogados

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