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O fato e suas circunstâncias

O fato delituoso passa a ser o objeto principal da ação penal, mas deve vir acompanhado de todas as circunstâncias.

domingo, 8 de junho de 2014

Atualizado em 6 de junho de 2014 13:41

O fato delituoso passa a ser o objeto principal da ação penal, mas deve vir acompanhado de todas as circunstâncias. Etimologicamente circunstância vem a ser (circum+stare) aquilo que envolve a parte principal, particularidade que acompanha determinado acontecimento e que tem o valor de influir a respeito de sua caracterização. O comando do artigo 41 do Código de Processo Penal é taxativo no sentido de que o fato, consistente na operação da adequação típica, venha também elucidado por outros informes que sejam considerados relevantes para o ajuste penal, como a inserção das qualificadoras, casos de aumento de pena, dia, ano, horário, local, etc.

Muito se tem discutido a respeito da descrição detalhada dos fatos na denúncia, quer tenha o Ministério Público recebido a notitia criminis diretamente do procedimento policial, quer através de peças de informações. E, por outro lado, quando se tratar de ação penal privada, a mesma regra vale para a vítima ofertar a queixa crime. Isto por dois fatos determinantes: o primeiro deles, ordenado pelo artigo já referido do Código de Processo Penal, determina que a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias; o segundo em razão do princípio da ampla defesa, reserva constitucional a todo acusado em processo penal, civil, trabalhista, etc.

No dizer do sempre perspicaz Tourinho Filho, "a exposição circunstanciada torna-se necessária não só para facilitar a tarefa do magistrado, como também para que o acusado possa ficar habilitado a defender-se, conhecendo o fato que se lhe imputa"1.

A tradicional doutrina processual penal, capitaneada por João Mendes, de forma objetiva e com muita sabedoria, definia que a denúncia como peça narrativa deveria trazer em seu bojo os seguintes elementos: quis (autoria); quibus auxiliis (quais os meios que empregou); quid (qual o mal causado); cur (os motivos); quomodo (a maneira como praticou o ilícito); ubi (lugar do delito) e quando (o tempo do delito).

De forma lapidar, Marques esclarece que a denúncia, "por ser um ato instrumental da ação pública, deve conter todos os elementos desta. A pretensão punitiva que se condensa na acusação será exposta com clareza, indicando-se seu objeto (ou petitum) e os seus fundamentos (ou causa petendi), e ainda os dados subjetivos que a integram: o sujeito ativo que acusa (o órgão do Ministério Público) e o sujeito passivo que é acusado (o réu). O promotor de Justiça faz o seu pedido, dá-lhe os devidos fundamentos e diz contra quem se dirige a acusação"2.

Tudo deve ser matematicamente exposto na peça inicial penal. Tanto é que a Constituição Federal não abraça o princípio da ampla acusação e sim da ampla defesa. Daí que a proposta acusatória tem que soar em sintonia com as provas arrecadadas preliminarmente e, desde seu início, abrir as comportas para o acolhimento da pretensão estatal. Se ocorrer qualquer alteração no juditium accusationis, só poderá ser ajustada na fase da mutatio libelli, resguardando por inteiro o conteúdo do contraditório.

Assim, a peça delatória deve ser pormenorizada, especificando a ação ou omissão do agente individualmente ou, quando se tratar de crime societário, pelo menos o necessário para configurar a prática delituosa de cada um dos participantes. Refuta-se, por outro lado, a denúncia alternativa, na qual o acusador oficial, encontrando dúvida na formação de sua opinio delicti entre dois tipos penais, imputa ambos ao agente. Indiscutível a dificuldade para o exercício do direito de defesa uma vez que o acusado não pode exercer, simultaneamente, duas defesas com relação a tipos penais distintos e relacionados à mesma conduta.

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1Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 1. Dão Paulo: Saraiva, 2012, p. 468

2Marques, José Frederico. Elementos de direito processual penal, vol. II. Campinas: Bookseller, 1997, p. 146.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.



 


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