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Breves considerações sobre o MRE e sua conjectura atual

Daniel Ribeiro do Valle e Raphael Gomes

O MRE mitiga riscos hidrológicos, buscando repartir eventuais ganhos provenientes de momentos em que a geração de seus integrantes é satisfatória, bem como minimizar as perdas unitárias em momentos de hidrologia desfavorável.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Atualizado às 07:34

Considerando o momento turbulento vivido pelo setor elétrico e a importância do MRE para o equilíbrio do sistema e incentivo para o segmento dos geradores hidráulicos, revela-se oportuna uma rápida análise sobre os conceitos e fundamentos da criação do MRE e suas recentes alterações regulatórias.

Conceito, Fundamento e Funcionamento do MRE

Os empreendimentos hidráulicos no Sistema Interligado Nacional - SIN são despachados centralizadamente pelo ONS, de maneira que seus proprietários não possuem controle sobre sua geração.

Objetivando o aproveitamento ótimo da água, o ONS determina se e quanto cada usina deve gerar. Para essa decisão, são considerados aspectos como: a disponibilidade das usinas em operação no SIN; a minimização dos custos operacionais para manter o menor custo marginal de operação possível; as afluências hidrológicas; o nível de água nos reservatórios; os preços ofertados pelas usinas térmicas; e eventuais restrições operacionais.

Adicionalmente, a criação do MRE também se justifica pela existência de diversas usinas em cascata dentro de um mesmo rio. Obviamente, o despacho centralizado pelo ONS permite uma utilização mais racional da água (não só para a geração de energia elétrica, como também para o consumo humano, agricultura e outras finalidades) e que conjugue os interesses dos diversos empreendedores.

Entretanto, nesse cenário em que não controlam a própria geração, os proprietários de empreendimentos hidroelétricos integrantes do MRE não teriam como garantir o cumprimento dos contratos celebrados para a venda de sua energia.

É aí que surge a importância do MRE, um mecanismo de compartilhamento de riscos hidrológicos entre seus integrantes. De maneira resumida, a participação no MRE assegura que sejam apropriados aos seus participantes os níveis de geração relacionados com suas garantias físicas, independente da geração real de cada uma das usinas.

A CCEE, por meio de seu processo de contabilização (não existem cessões físicas no MRE, são apenas contábeis), rateia a geração do conjunto de usinas do mecanismo proporcionalmente ao montante de garantia física de cada empreendimento.

Assim, caso a geração do conjunto de usinas seja exatamente igual à soma de suas garantias físicas, seus participantes poderão atender aos seus compromissos de venda de energia. Caso a geração seja superior à soma das garantias físicas, ainda haverá o rateio dessa energia "sobressalente", que representará um ganho para todos os seus integrantes. Caso a geração do conjunto de usinas seja inferior à soma de suas garantias físicas, parte da energia de cada usina é alocada ao MRE, proporcionalmente à respectiva participação no mecanismo. De maneira que deverão adquirir energia no Mercado de Curto Prazo para honrar seus compromissos de venda.

Em todos os casos, há o pagamento do custo de geração por aquelas usinas que geraram menos energia do que suas garantias físicas para aquelas usinas que geraram mais (o valor a ser pago/recebido é a Tarifa de Energia de Otimização - TEO)

Tendo em vista a importância do MRE como instrumento de mitigação de riscos hidrológicos/financeiros para os empreendedores hidroelétricos, além das usinas despachadas centralizadamente pelo ONS, às Pequenas Centrais Hidroelétricas não despachadas centralizadamente é facultada a adesão, conforme Regras e Procedimentos de Comercialização.

A Situação Atual do MRE

Como dito, o MRE mitiga riscos hidrológicos, buscando repartir eventuais ganhos provenientes de momentos em que a geração de seus integrantes é satisfatória, bem como minimizar as perdas unitárias em momentos de hidrologia desfavorável. E é exatamente essa a situação que se verifica no MRE atualmente.

De maneira sumária, para verificar, em um determinado mês, se a geração dos integrantes do MRE foi suficiente ou não para atender à garantia física de todas as usinas que o compõem, é preciso analisar se a geração total é maior ou menor do que a soma das garantias físicas. Denominado pela sigla GSF, esse índice é calculado pela seguinte fórmula:

             Soma da geração
GSF = --------------------------------------------
             Soma das garantias físicas


Caso o GSF seja maior que 1, teremos uma "sobra" de energia a ser rateada pelos integrantes do MRE - "energia secundária". Nessa hipótese todos os seus integrantes passam a ter energia suficiente para atender seus compromissos contratuais e ainda repartem os benefícios do mecanismo.

Entretanto, considerando o momento hidrológico desfavorável que o país atravessa, o ONS tem sido obrigado a despachar usinas termelétricas por motivos de segurança energética, o que tem resultado em um GSF menor do que 1.

Esse valor "negativo" do GSF tem resultado, assim, em débitos a serem pagos pelos geradores de energia elétrica, que devem adquirir, no Mercado de Curto Prazo, a energia para atender aos seus contratos de venda.

Da impossibilidade de utilização da Energia de Teste para atendimento ao MRE

Além do momento turbulento do MRE, seus integrantes devem atentar para a determinação da Aneel constante do despacho nº 2.922, publicado no D.O.U. em 31/07/2014. Explica-se.

Até a publicação do referido despacho, o Módulo de Medição Contábil das Regras de Comercialização de Energia Elétrica, vigente a partir de setembro/2012, permitia que as usinas submotorizadas pudessem utilizar a energia gerada em operações de teste para fins de alocação no MRE:

Antes de entrar em operação comercial, as unidades geradoras de uma usina passam por um período de testes no qual, a energia produzida é obrigatoriamente liquidada no Mercado de Curto Prazo (MCP).
(...)
Entretanto, para alguns casos, como o de usinas hidrelétricas participantes do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) e que ainda estão submotorizadas, a produção de teste pode compor a geração reconciliada.

Entretanto, a utilização da energia "em teste" para fins de MRE deixou de ser permitida com a publicação da Resolução Normativa Aneel 583, em 12/11/2013.

Art. 13. O período de suspensão da situação operacional da unidade geradora ou da central geradora de energia elétrica será desconsiderado, de acordo com as normas vigentes, na apuração de:

(...)
II - geração média para fins de cálculo dos montantes de garantia física e de participação do Mecanismo de Realocação de Energia - MRE;

Não obstante a publicação da referida Resolução Normativa, em 15/07/2014, foi aprovada pela Aneel nova versão das Regras de Comercialização sem a devida adequação ao texto, mantendo a permissão quanto à utilização da "energia de teste" para fins de MRE.

Dessa forma, em 31/07/2014, objetivando ajustar o texto da Regra ao comando constante da Resolução Normativa, foi publicado o Despacho Aneel 2.922/2014, o qual determinou à CCEE que realizasse as alterações algébricas nas Regras de Comercialização de maneira a considerar que a energia produzida por unidades geradoras em operação em teste não seja contabilizada no âmbito do MRE, mas tão somente seja valorada ao PLD.

Realizada a adequação normativa, necessária para a correta estruturação do bloco normativo que trata da matéria, fica o questionamento se a concessão da faculdade de utilização da energia em teste para fins do MRE não poderia ser uma medida para mitigar, mesmo que provisoriamente, os impactos causados pelo momento hidrológico desfavorável.

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*Daniel Ribeiro do Valle é advogado do escritório Demarest Advogados.

*Raphael Gomes é advogado do escritório Demarest Advogados.

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