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Minas Gerais regulamenta a exigência dos estudos de impacto ao patrimônio cultural

Leonardo Lamego e Mariana Gomes Welter

A norma indica quais os tipos de empreendimentos ou atividades que por suas características estão sujeitos à elaboração do EPIC/RIP.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Atualizado em 20 de janeiro de 2015 13:14

A lei Estadual de MG 11.726/94 estabelece a Política Cultural Estadual, visando à proteção do patrimônio cultural, sendo que, dentre outros mecanismos, competências e obrigações, exige a realização do EPIC - Estudo Prévio de Impacto Cultural e da aprovação do respectivo RIPC - Relatório de Impacto pelo órgão estadual competente para a implementação de atividades com impacto (potencial ou efetivo) no patrimônio cultural.

No conceito legal de Patrimônio Cultural Estadual inclui-se: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, tecnológicas e artísticas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados a manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, espeleológico, paleontológico, ecológico e científico. A amplitude desse conceito de patrimônio cultural, por si só, já evidencia o grande potencial de sobreposição de competências em relação a outros órgãos e agências federais, estaduais e municipais, tais como o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional - IPHAN, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, Fundação Nacional do Índio - FUNAI, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio; Conselho Estadual de Política Ambiental - COPAM, Fundação Palmares, Conselhos Municipais de Meio Ambiente e/ou de Patrimônio Cultural, entre outros. Todavia, a referida lei estadual não tratou de limitar ou delinear de formal integrada e sistematizada as competências específicas do órgão estadual em relação aos demais órgãos.

Durante quase 20 anos, a norma ficou sem a necessária regulamentação (art. 10 da referida lei), obstando a exigibilidade de tais estudos para fins de licenciamento das atividades que menciona e limitando a atuação do Estado nessa matéria. Com efeito, grande parte dos processos de licenciamentos de empreendimentos com potencial impacto em patrimônio histórico, arqueológico, etc, vinham sendo submetidos à prévia análise do IPHAN (na sua respectiva esfera de competência) e/ou órgãos municipais, quando pertinente.

Finalmente, em 3/12/14, foi publicada a Deliberação Normativa do Conselho Estadual do Patrimônio Cultural - CONEP 007/2014 (DN CONEP 07/14), estabelecendo as diretrizes para a realização do EPIC e RIPC no Estado de Minas Gerais, atribuindo a competência exclusiva do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico - IEPHA para a análise e aprovação desses estudos. De acordo a DN, todo empreendimento, obra ou projeto público ou privado que tiver efeito real ou potencial, material ou imaterial, sobre área ou bem identificado como patrimônio cultural, deverá formular o EPIC e o respectivo RIPC, sem prejuízo de outros estudos e relatórios exigidos na legislação. Conforme estabelece a DN, o EPIC deverá abordar aspectos tais como a caracterização do empreendimento, a definição e diagnóstico da área diretamente afetada (ADA) e área de influência direta (AID) e área de influência indireta (AII). Ademais, deverá ser demonstrada a compatibilidade do empreendimento com a legislação que dispõe sobre patrimônio cultural, a identificação dos bens materiais e imateriais, a identificação dos impactos ao patrimônio cultural, além de conter programa de salvaguarda do patrimônio cultural afetado e indicação dos responsáveis técnicos pelos estudos.

A norma indica quais os tipos de empreendimentos ou atividades que por suas características estão sujeitos à elaboração do EPIC/RIPC, sendo que, além dessa listagem, também estarão obrigados à elaboração dos estudos outros empreendimentos ou atividades, devido à sua localização em áreas definidas em lista anexa à norma, tais como áreas tombadas, áreas quilombolas, terras indígenas, territórios tradicionais, áreas de proteção especial, unidades de conservação, áreas cársticas e de potencial espeleológico, algumas bacias hidrográficas específicas e municípios do Estado de Minas Gerais, entre outras.

A formulação do EPIC deverá ocorrer na fase de planejamento do empreendimento, sendo "condição" para concessão da Licença Prévia, devendo compor o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, quando este for exigível, sendo que o IEPHA terá, em tese, o prazo de 45 dias para analisar. Para os empreendimentos em operação a elaboração do EPIC será exigida quando da renovação de Licença de Operação. Contudo, a norma foi omissa sobre as situações dos empreendimentos ou atividades com processo de licença de instalação em curso, possibilitando interpretações diversas sobre o momento da exigibilidade e apresentação do EPIC, ou seja, se será exigido no âmbito do processo a LI (i.e. notificando-se o empreendedor para complementação dos estudos ambientais) ou na formalização da LO.

Por sua vez, o art. 5º da DN determina que o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA/MG deverá disponibilizar Termo de Referência contendo o detalhamento do conteúdo do EPIC, sendo que falta de definição desse instrumento contendo o detalhamento do conteúdo do EPIC pode significar, até mesmo, uma limitação para a exigência do Estudo no âmbito dos processos de licenciamento em curso.

De fato, a regulamentação da lei Estadual 11.726/94 constitui necessária etapa no avanço na proteção do patrimônio cultural. Entretanto, tal como ressaltado acima, a amplitude do conceito de patrimônio cultural e as referências feitas na DN sobre as temáticas arqueológicas, cavidades subterrâneas, indígenas e quilombolas suscita algumas questões relevantes sobre a possível sobreposição/conflito de competências atribuídas aos órgãos federais (FUNAI, IPHAN, Fundação Palmares, etc.), estadual (COPAM/SEMAD) e órgãos e conselhos municipais, bem como pode dar margem ao entendimento de que o IEPHA analisará tais aspectos no EPIC/RICP. Assim, é recomendável que se interprete a norma de forma cautelosa, sistematizada e articulada (ou mesmo que se complemente essa regulamentação) a fim de identificar o real alcance, limites e o escopo da análise a ser realizada pelo IEPHA, especialmente, em relação às matérias que também são competência de outros órgãos, como forma de se evitar conflitos e permitir uma atuação integrada e complementar entre os órgãos ao invés de sobreposição, retrabalho e conflito de competências. Em alguns aspectos, o próprio termo de referência a ser elaborado pelo IEPHA poderá trazer luz a tais questões, auxiliando empreendedores e agentes do IEPHA na compreensão da norma e fiel execução desse importante mister.

Vale ressaltar que, embora o artigo 11 da DN pareça inicialmente criar mecanismo para atenuar essa desarticulação em relação às competências do IPHAN, ao dispor que o "IEPHA/MG, por meio de instrumentos de cooperação, convênio ou consórcio, poderá atuar, de forma concorrente com a União, no acautelamento do Patrimônio Arqueológico, Paleontológico e Espeleológico", tal referência também é parcialmente problemática, posto que atuação "concorrente" (ao invés de atuação suplementar, complementar ou em delegação de atribuição originária) remete a uma possível duplicidade de análise sobre a mesma matéria, o que seria pouco eficiente, oneroso e contraria a essência do licenciamento único previsto no art. 13 da LC 140/11.

Outro aspecto sensível é que a DN prevê que, após recebimento do EPIC, o IEPHA poderá estabelecer medidas condicionantes e mitigatórias para aprovação do RIPC e determina que tais medidas deverão ser revertidas para bens que constituem o patrimônio cultural na área de influência do empreendimento. Sem adentrar na discussão sobre a legalidade de disposição infralegal que vincule destinação de receitas/recursos sem uma respectiva previsão legal que lhe dê suporte (princípio da legalidade), há que se ressaltar que a DN indica que o IEPHA poderá estabelecer e modificar condicionantes, que integrarão a licença ambiental. Contudo, tais atribuições já são regulamentadas na LC 140/11 e pela legislação estadual como sendo competência do órgão ambiental licenciador, o qual poderá acatar a recomendação de outros órgãos de forma não vinculante. Evidentemente, o órgão ambiental deve ouvir e prestar deferência ao órgão e agentes especializados na matéria e, portanto, a análise e recomendações do IEPHA serão via de regra acatados pelo órgão ambiental. Conduto, a fim de evitar possíveis conflitos entre os órgãos e judicialização das matérias, há que se reconhecer que o IEPHA não possui hierarquia sobre o órgão ambiental e, portanto, motivadamente, o órgão ambiental poderá não acatar tais recomendações e, nem por isso, a licença ambiental será necessariamente ilegal ou inválida. Essa discussão é relevante e os casos de conflito de entendimento entre os agentes públicos são razoavelmente constantes num universo onde raramente incide uma análise fria das ciências exatas, razão pela qual inclusive o Governo Federal aprovou a Portaria Interministerial 419/11 e a LC 140/11 justamente determinando que a palavra final é do órgão ambiental que conduz o processo de licenciamento, no que tange ao estabelecimento de condicionantes, ouvidos os demais órgãos e partes interessadas.

Ademais, ao definir que o EPIC e RICP deverão constituir parte integrante do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA (art. 4º) e que o IEPHA possui competência para definir condicionantes sobre a ampla matéria tratada na DN, a norma infralegal aprovada pelo CONEP está alterando o procedimento e requisitos pertinentes a outros órgãos e secretarias de estado (notadamente da Secretaria Estadual de Meio Ambiente) e até mesmo de órgãos federais. Com efeito, a legalidade de tais disposições também é bastante questionável, notadamente, se não houver uma regulamentação no mesmo sentido também no âmbito do órgão ambiental competente.

Outrossim, mesmo por uma questão de eficiência e praticidade, é importante ressaltar que qualquer norma que venha trazer obrigações e etapas adicionais ao já complexo e moroso processo de licenciamento ambiental deveria ser discutida e elaborada em articulação e integração com os demais atores e partes interessadas, seguindo o bom exemplo do que se fez quando da aprovação da Portaria Interministerial 419/11, que regulamenta a atuação dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal envolvidos no licenciamento ambiental, assim como a LC 140/11.

É inegável que o IEPHA tem papel fundamental nos processos de licenciamento no Estado de MG, nos casos onde houver potencial impacto no patrimônio cultural estadual. Igualmente, o fortalecimento das instituições estaduais para exercício das suas finalidades é desejado e necessário, sendo que o adequado exercício dessa competência trará benefícios à efetiva proteção deste patrimônio. Contudo, a prudência e a boa prática recomenda que uma nova regulamentação, além criar mecanismos necessários para a proteção ao patrimônio cultural, também considere os possíveis reflexos negativos, especialmente aqueles relacionados ao já complexo e moroso processo de licenciamento, de forma a evitar agravamento da burocracia, aumento dos questionamentos técnicos e jurídicos, possíveis duplicidade de análise sobre a mesma matéria, retrabalho e conflitos entre órgãos com atribuição sobreposta, pois tudo isso pode implicar em perda de eficiência (tanto do setor público quando do privado) dificultando, em última instância, a implementação das medidas de proteção do patrimônio cultural, que é a finalidade maior da norma.

______________

*Leonardo Lamego, advogado do Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, especialista em Direito Ambiental e Minerário pela Faculdade de Direito Milton Campos, mestrando em Direito Ambiental Internacional (George Washington University), professor de Direito Ambiental nos cursos de pós-graduação da Faculdade IBMEC e Centro Universitário UNA.










**Mariana Welter, advogada do Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados, Mestre em Planejamento Urbano Ambiental pela UFMG; Especialista Direito Ambiental pelo Centro de Atualização em Direito (CAD); Professora Universitária (FEAMIG, PUC e UNA).







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