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Projeto Circuito das Compras na cidade de São Paulo

Pedro Ivo Vieira Silva

Projeto é delicado, mas parte das controvérsias poderia ser mitigada a partir da melhor compreensão de seu escopo e pano de fundo.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Atualizado em 26 de fevereiro de 2015 11:56

Introdução

No dia 24 de fevereiro estava marcada a sessão pública para a abertura dos envelopes com as propostas dos licitantes interessados na Concorrência Pública nº 001/SDTE/2014, promovida pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo, que tem como objeto principal a concessão de uso do terreno conhecido como Pátio do Pari onde se localiza a famosa "Feirinha da Madrugada". O certame foi, entretanto, suspenso pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo. O projeto é realmente delicado vez que envolve múltiplos interesses conflitantes. Entretanto, o que se percebe na prática é que parte das controvérsias poderia ser mitigada a partir da melhor compreensão do escopo e do pano de fundo que ensejou o projeto. É com este viés que se lança o presente artigo.

Contexto

Os famosos centros comerciais na cidade de São Paulo, como a Feirinha da Madrugada, a Rua 25 de Março, e as imediações do Brás, Bom Retiro e Santa Efigênia, são apenas alguns dentre um universo de 20 mil estabelecimentos espalhados por 59 ruas da capital.

Cada localidade é conhecida por seu ramo comercial especializado, que varia desde a "Rua das Noivas", passando por enxoval, moda, calçado, eletrônico, até ruas especializadas em ferramentas, marcenaria e utensílios para motocicletas.

Este conjunto de centros comerciais, todos a céu aberto, atrai cerca de 500 mil visitantes diariamente e gira em torno de 35 bilhões de reais por ano. Além disso, os centros comerciais são responsáveis por mais de 130 mil empregos diretos.

Parcela significativa dos visitantes é proveniente de fora da cidade - atacadistas e autônomos que vêm até a capital em busca de compras no atacado para posterior revenda no varejo, assim como pessoas comuns em busca de preços atrativos. Apenas no Pátio do Pari, na região central da capital, chegam diariamente mais de 13 mil turistas de compras em ônibus fretados.

Apesar desse incrível potencial econômico, o que se percebe na prática é que os visitantes enfrentam inúmeras dificuldades. A Prefeitura Municipal de São Paulo, diante deste cenário, procurou soluções para os problemas e decidiu por arquitetar uma concessão envolvendo a construção de toda a infraestrutura necessária ao melhor atendimento dos visitantes, bem como a posterior operação das instalações e a prestação das atividades de apoio ao visitante. O objetivo central foi: (i) melhorar o acesso a transporte público e a falta de vagas de estacionamento para carros; (ii) reduzir lentidão e a falta de organização na chegada e partida dos ônibus fretados; (iii) eliminar desorganização e informalidade no comércio; (iv) facilitar o deslocamento entre os centros comerciais, e; (v) criar centros de apoio ao turismo de compras.

Abordagem

O principal eixo que conduziu o projeto foi o objetivo do governo de melhorar a infraestrutura do comércio em regiões do centro de São Paulo, sobretudo sem alterar o perfil dos usuários e comerciantes.

Vale dizer que os investimentos e serviços prestados devem desenvolver a economia local, e não substituí-la por uma cadeia que gere maior valor. Parte-se da constatação de que as atividades econômicas realizadas na região são necessárias e importantes. Deslocar esta atividade para outra região da cidade não melhoraria o acesso aos usuários ou reduziria a informalidade das atividades, não atingindo o interesse público envolvido.

Como consequência, o projeto teve dois desafios principais: avaliar quais regiões do centro poderiam entrar no escopo do circuito das compras e como elas se integrariam com os demais bairros, e quais mecanismos seriam importantes para aumentar a qualidade da infraestrutura e serviços, garantindo sempre a manutenção do perfil dos usuários e comerciantes?

Buscou, portanto, identificar uma localização adequada, que ampliasse os impactos positivos para múltiplas áreas no centro e tivesse capacidade de lidar com a demanda do projeto. Em seguida, buscou-se fontes alternativas de receitas para financiar as melhorias desejadas sem onerar os comerciantes, garantindo que os preços de alugueis e varejo não comprometessem o perfil atual. Por fim, elaborou-se um plano de transição que compreendesse os principais objetivos da população e as garantias mínimas da concessão.

Localização

O Pátio do Pari consiste em uma área pertencente à extinta Rede Ferroviária Federal (RFF) e foi identificada como um local estratégico para o projeto vez que se localiza ao lado da região central de São Paulo e fora da restrição de circulação de fretados do município, com fácil acesso aos grandes eixos de integração da região metropolitana.

O local mostrou-se adequado para abrigar o centro de recepção e expedição dos visitantes de compras, como uma espécie de ponto de integração logística, no qual os visitantes chegam de trem, ônibus, fretados ou carros, e fazem a conexão para circularem por meio do transporte integrado entre os centros comerciais. O projeto arquitetônico referencial contemplou, inclusive, o acesso direto entre a estação da CPTM e o terminal.

Ademais, é no Pátio do Pari que se localiza a famosa Feirinha da Madrugada. É nessa área que o futuro concessionário deverá construir um centro popular de compras, um hotel e uma torre comercial, bem ao lado do estacionamento de veículos e do terminal de ônibus, ambos ligados ao centro de integração para os demais centros comerciais.

A partir dessa diretriz, buscou-se, não apenas o desenvolvimento da própria Feirinha da Madrugada, com novas instalações capazes de dar dinamismo às atividades ali desenvolvidas, como também a centralização da infraestrutura logística de passageiros e compras necessária às demais regiões de compras, o que possibilita o desenvolvimento também nesses locais.

Fontes alternativas de receita

Para fazer frente à oferta dos varejistas com recursos limitados à locação, foi preciso diversificar ao máximo a receita do concessionário, diminuindo sua dependência com alugueis e buscando ampliar o conjunto de atividades no empreendimento público. Previu-se atividades como gerenciamento do terminal de ônibus e do estacionamento de automóveis, centros de apoio ao turista, sistema de transporte de passageiros, sistema logístico de compras, e exploração de edifícios comerciais e do complexo hoteleiro.

Além disso, avaliou-se as principais oportunidades acessórias atreladas ao centro de compras, tais como espaços para alimentação, lazer, entre outros. Verificou-se que o crescimento da região em relação ao número de turistas e das atividades comerciais tem reflexo direto em diversas atividades complementares. Por exemplo, a região central de São Paulo é marcada pela diversidade cultural, sendo que o crescimento no fluxo de turistas e a implantação de um destino estruturado viabiliza a exploração de atividades como cinemas e teatros.

No que envolve a oferta de hospedagem, verificou-se que os hotéis estão concentrados, atualmente, nas intermediações da Santa Ifigênia, sendo que a região do Pátio do Pari carece de infraestrutura hoteleira. Com o crescente desenvolvimento do Circuito das Compras existirá demanda para a implantação de um novo complexo que atenda a região.

Com este potencial de receitas acessórias atreladas ao empreendimento, os valores de locação atualmente praticados foram mantidos sem, contudo, comprometer os investimentos em infraestrutura a serem realizados pelo futuro concessionário para melhorar a qualidade de serviço e manter a flexibilidade do próprio plano de gestão do concessionário.

Plano de transição

Para garantir a manutenção das atividades dos comerciantes regularmente instalados na Feirinha da Madrugada, os boxes do futuro centro popular de compras serão divididos entre aqueles disponibilizados obrigatoriamente aos comerciantes cadastrados pela Prefeitura, com valores de locação regulados (espécie de "boxes sociais"), e os demais boxes que poderão ser livremente ofertados pelo concessionário.

Partindo da premissa de que o risco é melhor alocado à parte que detém maior controle sobre ele, a Prefeitura ficou responsável pela lista com a indicação dos comerciantes regulares, enquanto o concessionário por disponibilizar, dentro do prazo estabelecido, o mínimo de 4 mil boxes, com 5m2 cada, para acomodação dos mesmos.

A eventual construção de boxes que exceda o mínimo estipulado, por iniciativa do próprio concessionário, poderá ser explorada livremente por meio de contratos de locação. Em todo caso, o concessionário deve realizar um plano de relocação que garanta que todas as atividades serão mantidas com segurança e conforto mesmo durante a implementação do empreendimento.

Desta forma, é possível manter os incentivos para que o concessionário faça investimentos para melhorar o circuito das compras sem que sejam prejudicados os atuais comerciantes. Esta estratégia é fundamental para reduzir a informalidade nas atividades comerciais da região. Adicionalmente, por meio da regulação dos preços cobrados nos boxes, a prefeitura consegue garantir uma proporção interessante entre perfis diferentes de comércio na região.

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*Pedro Ivo Vieira Silva é advogado da prática de Infraestrutura do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

 

 

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