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Isenção de ISS para Organizações Sociais evidencia incompreensão da natureza dessas entidades

Para beneficiar-se dessa isenção, será necessário efetuar pedido por meio de requerimento próprio, na forma a ser regulamentada em Decreto.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Atualizado em 1 de abril de 2015 14:56

A lei 16.127/15, do Município de São Paulo, publicada em 13/3/2015, concede, dentre outras, isenção do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS em relação às verbas recebidas em decorrência de contratos de gestão nas áreas de saúde, cultura, esportes, lazer e recreação, e perdoa débitos ou multas que tenham sido constituídas até a data de sua publicação.

A isenção abrange somente os recursos orçamentários destinados pela Administração Pública direta e autarquias da União, do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo, a Organizações Sociais estabelecidas no Município de São Paulo, que atuem nessas áreas.

Para beneficiar-se dessa isenção, será necessário efetuar pedido por meio de requerimento próprio, na forma a ser regulamentada em Decreto.

Uma vez concedida, a isenção será revogada caso a Organização Social descumpra algum requisito que a qualifique como tal, deixe de atender às disposições dos contratos de gestão firmados ou cometa qualquer irregularidade ou ilegalidade na aplicação dos recursos públicos recebidos, sendo certo, ainda, que a sua concessão não desobriga os prestadores de serviços de estarem inscritos no Cadastro de Contribuintes Mobiliários - CCM municipal e cumprir suas obrigações acessórias.

O ponto nevrálgico que faz a lei cair em um vazio jurídico é: organizações sociais não celebram contrato de prestação de serviços, não recebem qualquer contraprestação por serviços prestados e, por isso, jamais se poderia falar em incidência de ISS, já que ausentes os elementos essenciais à sua materialidade. O que ocorre é que essas entidades, em parceria com o Poder Público, em atuação convergente, aplicam os recursos a elas destinados na viabilização de serviços à sociedade (e não ao ente público), prestando contas de todos os recursos financeiros recebidos e devolvendo ao Poder Público eventual saldo remanescente. Não cobram por esse serviço. Assim, por inexistir fato gerador ("prestar serviços"), e por ser impossível identificar base de cálculo de tributo ("preço do serviço"), não há que se falar em sujeição ao ISS e, muito menos, consequentemente, em "benefício" de isenção deste tributo. Trata-se, na realidade, de não incidência do ISS.

Ora, se não existe fato gerador, de nada adianta a nova lei afastar um determinado "sujeito passivo", como pretendeu fazer ao isentar as Organizações Sociais. Só pode ser sujeito passivo aquele que está envolvido na materialidade "prestar serviços". Ora, se não ocorre a materialidade "prestar serviços", o legislador retirou algo (sujeição passiva) de onde nada havia!

É claro que a nova lei traz uma falsa sensação de segurança jurídica às entidades, que estavam ao alvedrio das autoridades fiscalizatórias, que passam ao largo da natureza jurídica desse novo instituto jurídico e entendem que há incidência de ISS. Talvez a nova lei consiga evitar possíveis autuações dos fiscais, poupe o enfrentamento da burocracia às entidades e reduza litígios no Poder Judiciário. Mas é muito provável que ocorra justamente o contrário, considerando que uma simples interpretação de um fiscal pode gerar um enorme passivo que a entidade terá que pagar sem ter a fonte de custeio própria e tendo que enfrentar anos de disputa jurídica!

Com efeito, como se sabe, a nova lei é fruto de um acordo político. Obviamente, não interessa a um gestor público ter que reembolsar à OS eventuais tributos, o que encarecerá os gastos públicos com saúde, cultura, tecnologia. E causa uma falsa percepção de que a arrecadação tributária estaria sendo eficiente ou que o ente público estaria aplicando os recursos da área de saúde, por exemplo, dentro dos limites mínimos constitucionais.

Há casos em que, por exemplo, a Secretaria de Saúde de um Município é obrigada a ressarcir o ISS pago pela entidade por exigência da Secretaria de Finanças desse mesmo Município! Sem qualquer fundamento jurídico, o recurso público sai de um bolso e entra no outro da mesma pessoa jurídica!

Felizmente o Poder Judiciário já interveio e, em sentença, definiu que, de fato, não ocorre prestação de serviços em termo de parceria firmado entre uma OSCIP e o Município, como é o caso da sentença da 1ª vara da Fazenda Pública de SP, publicada no Diário Oficial do dia 24/3/15:

"De acordo com os termos de parceria firmados (fls. 74/87, 263/276, 278/291) os valores recebidos configuram repasses, uma vez que aplicados única e exclusivamente na execução do objeto das respectivas parcerias, e não remuneração (contraprestação pela prestação de um serviço). Tanto assim que o parceiro público fica obrigado a prestar contas afim de comprovar a correta aplicação de todos os recursos recebidos."

Outro ponto que merece atenção é a irrazoável condição contida na nova lei de que a isenção pode ser revogada caso os recursos recebidos sejam utilizados de forma irregular. Por vários motivos:
Primeiro, o que significa "utilização de forma irregular"? Eventual deslize do administrador dos recursos que, por exemplo, solicite a um fornecedor uma nota fiscal que contenha um erro material pode ser considerado como perda da isenção?

Segundo, está se utilizando a figura do tributo para fins de imposição de penalidade, isto é, a perda da "isenção" ao ISS é a pena para eventual irregularidade apresentada! Ora, o art. 3º do Código Tributário Nacional é claro ao prescrever que tributo não pode ser decorrente de ato ilícito; de outra parte, uma eventual irregularidade apurada pelos órgãos de prestação de contas deve ser penalizada na forma prevista na lei e inclusive junto aos Tribunais de Contas, e não pela revogação de uma isenção.

Terceiro, ao se atribuir isenção, o legislador protege o recurso público que deve ser aplicado em benefício da sociedade: é evidente que se o ISS incidisse, este deveria estar contemplado na prestação de contas e, portanto, seria arcado patrimonialmente pela entidade pública responsável. Ao se revogar a isenção, quem vai arcar com o ISS que será imputado à entidade? Um verdadeiro non sense tributário.

Assim, caso alguma entidade tenha sua "isenção" revogada, caberá a ela o direito de se insurgir sustentando que de isenção não se trata e que jamais poderia ser constituído o ISS diante da inexistência de fato gerador.

Outro ponto a ser observado se refere às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP que, celebram termos de parceria que possuem a mesma natureza jurídica do contrato de gestão no que se refere ao quesito "prestação/contraprestação", mas não foram beneficiadas pela lei ora comentada. Essas entidades deveriam também ter sido reconhecidas por esta lei como "isentas" do ISS e, igualmente às OS's, terem seus débitos remitidos e anistiados.

Entretanto, espera-se que as autoridades fazendárias do Município de São Paulo e de outros municípios compreendam a natureza jurídica dos novos institutos jurídicos criados pela legislação do terceiro setor (termo de parceria, termo de cooperação, contrato de gestão) e percebam que inexiste fato gerador de ISS, uma vez que não ocorre o binômio prestação de serviços/contraprestação.

Assim, a nova lei deve ser considerada natimorta nesse aspecto: não deveria ser aplicável às Organizações Sociais, uma vez que os repasses de recursos financeiros no âmbito de contratos de gestão devem ser considerados hipóteses de não incidência de ISS.

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*Carolina Botosso, Claudia Inoue, Eduardo Behar e Marcos Osaki são advogados da área de Direito Tributário do Rubens Naves Santos Jr. Advogados.

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