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Juros de mora na devolução de recursos de convênios e contratos congêneres

Mariana Vilella

São diversos os casos em que a administração pública consome sucessivos anos, por razões próprias, para encerrar a apuração de contas e, ao final, pretende imputar débito acrescido de juros de mora.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Atualizado em 15 de maio de 2015 14:33

Dentre as diversas questões que geram insegurança jurídica em processos administrativos de prestação de contas de convênios, tem causado perplexidade o regime de cobrança de juros de mora nos casos de determinação de ressarcimento ao erário.

São diversos os casos em que a administração pública consome sucessivos anos, por razões próprias, para encerrar a apuração de contas e, ao final, pretende imputar débito acrescido de juros de mora que multiplicam em muitas vezes o valor devido. Embora a longa tramitação não possa ser atribuída ao particular, mas somente à inércia do próprio Poder Público, impõem-se juros moratórios calculados por todo o período processual. Curiosamente, a justificativa é compensar a demora do ressarcimento. Uma contradição que ainda não mereceu tratamento definitivo por lei ou jurisprudência.

Os juros de mora correspondem a uma taxa percentual calculada mês a mês sobre um determinado débito, quando há atraso em sua quitação. Em sua natureza jurídica, trata-se de verdadeira pena imposta ao devedor pela demora no cumprimento do devido.

Em se tratando de obrigação decorrente de convênio, deve-se ter em mente a natureza dessa espécie de ajuste. Os convênios são acordos celebrados entre os órgãos públicos e outras instituições, públicas ou privadas, para a realização de um objetivo comum, mediante formação de parceria. Executado o convênio, se constatada irregularidade ou ausência de prestação de contas, pode nascer a obrigação da entidade privada em devolver recursos ao erário. Nesse caso, se verificada a necessidade de devolução de valores, incidirão juros de mora e correção monetária, a fim, de compensar a administração pelo dispêndio realizado sem que a entidade tenha cumprido sua parcela na parceria. Nenhum problema até aqui.

Ocorre que, em muitos casos, o que se tem notado é que a prestação de contas entregue por particulares passa anos em órgãos públicos sem análise, ou, quando iniciada a análise, o processo tramita em prazo muito além do razoável. Há exemplos de entidades privadas que são chamadas a se manifestar pela primeira vez sobre contas que entregaram há mais de cinco ou dez anos.

Apresentadas as justificativas (e nem trataremos aqui das indevidas exigências de explicações, recibos e registros de atividades realizadas além do tempo exigido para guarda de documentos), o processo administrativo prossegue e, se não acatada a defesa, implicará na constituição de um débito.

Nesse contexto, não obstante o tempo transcorrido seja imputável unicamente à demora da administração pública em apreciar as contas, aplica-se, sem constrangimento, o cálculo do percentual de juros de mora junto à correção monetária. Ou seja, é o particular quem paga pela demora da administração. Paga 2, 3, 10 vezes mais do que originalmente devia.

Nesse sentido, o CC, por exemplo, é expresso ao indicar no art. 396 que, "não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora".

Ainda que haja um justo direito a ressarcimento pelo Estado, a autoridade administrativa não pode beneficiar-se da própria demora em exercê-lo, restando ao particular obrigação muito superior ao que seria devido originalmente, caso a prestação de contas fosse analisada e finalizada em prazo razoável.

A lei 13.019/14, que passará a regulamentar as parcerias voluntárias do poder público com entidades do terceiro setor, traz importante previsão para a questão aqui discutida. Foi estipulado um prazo máximo para apreciação das contas decorrentes das parcerias, atuais convênios. Em caso de descumprimento desse prazo, o Poder Público continua com o direito de buscar o ressarcimento, mas a entidade não estará obrigada a arcar com juros de mora:

Art. 71. A administração pública terá como objetivo apreciar a prestação final de contas apresentada, no prazo de 90 (noventa) a 150 (cento e cinquenta) dias, contado da data de seu recebimento, conforme estabelecido no instrumento da parceria.

(...)

§ 4º O transcurso do prazo definido nos termos do caput e do § 1o sem que as contas tenham sido apreciadas:

I - não significa impossibilidade de apreciação em data posterior ou vedação a que se adotem medidas saneadoras, punitivas ou destinadas a ressarcir danos que possam ter sido causados aos cofres públicos;

II - nos casos em que não for constatado dolo da organização da sociedade civil parceira ou de seus prepostos, sem prejuízo da atualização monetária, impede a incidência de juros de mora sobre débitos eventualmente apurados, no período entre o final do prazo referido no caput deste parágrafo e a data em que foi ultimada a apreciação pela administração pública. (grifamos).

Em conclusão, a fim de evitar enriquecimento sem causa do Estado e, ainda, penalização indevida de particulares, é urgente que o entendimento trazido pela nova lei de parcerias - um tanto óbvio, é verdade - ganhe lugar nos processos administrativos em trâmite, inclusive naqueles que não se refiram a parcerias com terceiro setor, se for o caso. A aplicação desse entendimento, em verdade, sequer depende previsão legal expressa, pois decorre dos princípios da proibição do enriquecimento ilícito e da moralidade administrativa.

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*Mariana Vilella é advogada na área de terceiro setor do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados.


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