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Você é a favor dos alimentos transgênicos?, por Eudes Quintino

Você é a favor dos alimentos transgênicos?

A nova ciência da bioética surge como tábua de salvação e se apresenta como o mais recomendado canal de diálogo interdisciplinar da sociedade para salvaguardar o futuro da humanidade.

domingo, 17 de maio de 2015

Atualizado em 15 de maio de 2015 15:00

O homem, na sua constante ambição, depois de reiteradas conquistas, decidiu investir na qualidade de vida e longevidade, buscando atingir expectativas mais condizentes com sua grandeza. São palavras mágicas que representam o resultado de um grande passo científico, globalizado na palavra biotecnologia. Assim, na procissão de encaminhamento para uma vida melhor, depois de obter razoável domínio da tecnologia voltada para proporcionar considerável bem-estar, avança agora para a produção de alimentos, que não são produzidos pela cadeia natural e sim ajustados em laboratórios para que possam produzir mais, com mais qualidade, mais rendimento em prazo menor.

Trata-se dos alimentos transgênicos, geneticamente modificados em laboratório, com a inserção de um material genético de outro organismo, visando aumentar a produção, melhorar o conteúdo nutricional e proporcionar maior resistência e durabilidade. Seria o encontro de DNAs entre organismos que jamais teriam chances de cruzamento.

Ocorre que, as novas descobertas, revestidas muitas vezes pelas embalagens sedutoras da mídia comercial, carregam enormes interrogações éticas não só com relação ao seu conteúdo nutricional, como também espargem dúvidas a respeito de possíveis danos ao organismo humano, assim como para o meio ambiente, tutelado pela regra do preservacionismo. É interessante observar que os alimentos geneticamente modificados, produzidos, portanto, em laboratórios, sofrem mutação no seu código genético, com a utilização de genes de diferentes espécies de animais, vegetais e micróbios, ingressando, desta forma, em nuvem nebulosa de incerteza na vida dos humanos. Pode até ser que no presente não tragam qualquer malefício à saúde, porém, ao longo do tempo, com a evolução normal da pesquisa, poderão comprometê-la.

Um dos objetivos da lei de biossegurança (lei 11.105/05) é controlar os riscos das tecnologias utilizadas nos laboratórios, tutelando não só a saúde humana como também o meio ambiente. É o caso, por exemplo, de controlar os fabricantes de agroquímicos quando produzem sementes com plantas inseticidas e que podem provocar danos à saúde humana e à biodiversidade, como as culturas de milho, soja e algodão no Brasil, que é um dos maiores produtores de transgênicos do mundo.

Daí porque, respeitando a norma protetiva do consumidor, que estabelece a obrigatoriedade de informar de forma clara sobre os diferentes produtos, composição e riscos que oferecem, prevaleceu a necessidade de rotular todos os produtos com OGM, destinados ao consumo humano. Assim, para alertar o consumidor, traz o produto um triângulo amarelo preenchido pela letra "T".

No dia 28 de abril de 2015, foi votado e aprovado o projeto de lei de autoria do deputado Luiz Heinze (PP-RS), que contou com 320 votos a favor e 135 contra, na Câmara dos Deputados, visando abolir os rótulos indicadores de produtos transgênicos, colocados à venda para o consumidor final, que somente conhecerá a transgenia, se tiver interesse, por meio de teste laboratorial específico. O projeto será agora apreciado pelo Senado.

Tal decisão da Câmara dos Deputados retira do cidadão um dos seus direitos consagrados no Código de Defesa do Consumidor, consistente em cientificá-lo a respeito da composição do alimento e prováveis riscos de sua ingestão, além de, obliquamente, atingir o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, compreendido no respeito devido ao homem em sua individualidade racional sem instrumentalizá-lo ou impor a ele interesses que contrariem sua razão e consciência. É uma verdadeira violação da autonomia humana. Dignidade significa o valor que cada um possui em razão de si mesmo, no dizer de São Tomás de Aquino.

Não é demais lembrar que a regra que sempre prevaleceu é a de que o alimento bom para o homem é somente aquele fornecido pela natureza e esta, se não for protegida ou se for manipulada pelas tecnologias existentes, poderá criar situações de total descontrole genético, produzindo catástrofes e distribuindo malefícios muitas vezes irreversíveis. Trata-se de uma mutação e, como tal, o processo é lento e os eventuais danos serão colhidos mais adiante ou nas gerações futuras, numa inquietante preocupação. Pode até ser que no presente não tragam qualquer malefício à saúde, mas carregam um perigo potencial, mesmo que longínquo. "Nossos futuros filhos, adverte Baertschi, e as gerações futuras evidentemente não são capazes de realizar escolhas atualmente, mas o serão quando existirem; assim querer melhorá-los pela engenharia genética é submetê-los ao arbítrio de pessoas que têm esse poder, quaisquer que sejam elas, grupos ou indivíduos, pais, médicos ou governantes. Ora, não há nenhum motivo para pensar que elas darão continuamente provas de sabedoria, e que jamais algo muito disparatado será feito, pois é impossível apostar na prudência das pessoas, no sentido antigo do termo."1

A nova ciência da Bioética, neste emaranhado avançado da biotecnologia, surge como tábua de salvação e se apresenta como o mais recomendado canal de diálogo interdisciplinar da sociedade para salvaguardar o futuro da humanidade. E a respeito do caso ora discutido, fincou seus princípios da beneficência e não maleficência, que recomendam o malum non facere e o primum non nocere para a proteção da vida e da saúde humana, animal e vegetal, além da observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

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1 Baertschi, Bernard. Ensaio filosófico sobre a dignidade. Tradução de Paula Silvia Rodrigues Coelho da Silva. São Paulo: Edições Loyola, 2009, pág. 288.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, Reitor da Unorp/São José do Rio Preto/SP.

*Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é bacharel em Direito pela Universidade Mackenzie, advogado, mestrando em Direito pela Unesp de Franca/SP.

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