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Impeachment

Walter de Almeida Guilherme

O processo de impeachment do Presidente da República somente se aperfeiçoa juridicamente, com obediência estrita a todos os comandos legais.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Atualizado em 8 de julho de 2015 16:02

Recentemente aposentado como desembargador do TJ/SP, aos 70 anos, por força de imposição constitucional, durante 20 anos fui membro do MP e por 26 anos, juiz, encerrando a carreira como desembargador convocado ministro do STJ. Na quase totalidade desses 46 anos atuei no campo criminal.

Como promotor de Justiça, pedi um sem número de prisões preventivas. Como procurador de Justiça, ofereci pareceres em inúmeros casos nos quais se punha a questão da prisão preventiva. Em milhares de processos, examinei e decidi a respeito dessas prisões.

Devo dizer que, talvez, esse tenha sido o tema que mais me afligiu, isto é, manter alguém encarcerado antes de condenação final.

Guiam-se os juízes, e assim sempre o fiz, pelo que dispõe o CPP, a dizer - nos casos em que se a admite (art. 313) - que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (art. 312).

Não é, pois, na atualidade, obrigatória, como já foi em tempos idos, a prisão cautelar. Cabe ao julgador, havendo prova da existência do crime e de indício suficiente de autoria, avaliar se o caso dos autos se enquadra em algum daqueles nominados na lei: garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Não vou me ater à doutrina e à jurisprudência, pois este não é propriamente um artigo jurídico, para definir o que é ordem pública, o que significa conveniência da instrução criminal e em que medida a aplicação da lei penal está em risco.

É um drama para o juiz consciente mandar alguém para a cadeia antes que se tenha certeza (jurídica) de sua culpa.

Ciente das condições subumanas que cercam o cumprimento das penas na imensa maioria dos presídios brasileiros - e por isso mesmo da inutilidade, acredito, da pena de prisão com fator de ressocialização ou mesmo de intimidação (vide o altíssimo índice de reincidência) e tampouco do eventual efeito benéfico que constituiria o afastamento temporário do criminoso do seio social, dado que, inserido no meio carcerário, a deletéria ambiência nele reinante fará com que ele se associe a outros para, dentro da cadeia, desenvolver inúmeras formas de criminalidade, - o juiz vacila: convém à sociedade esse encarceramento preventivo? Ele previne o quê?

Mas a lei precisa ser cumprida. O vacilo se desvanece e a prisão é decretada. Digo por mim: em mais de 80% dos casos que me foram dados decidir, a prisão preventiva foi decretada.

O juiz informa-se. Lê. Assiste televisão, consulta a internet. Convive com os familiares e amigos. O juiz não é imune à opinião pública (e publicada). Não é possível ser. A par de sua convicção íntima, a pressão para decretação da prisão em muitos casos é enorme. Tudo acaba por fazer surgir, então, convicção de que a prisão cautelar se justifica: como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar o cumprimento da lei penal, ou as três razões em conjunto. E mais uma prisão preventiva é decretada, engordando a estatística dos presos provisórios. Presos provisórios que, independente de ser mais ou menos longa a instrução processual, se absolvidos a final, experimentarão um dano irreparável.

Decretar ou não a prisão preventiva depende sempre de um prognóstico a ser feito pelo magistrado: como se comportará adiante o preso em flagrante ou o indiciado ou já denunciado ou condenado em primeira instância? Solto, tornará a delinquir? Causará entrave à instrução? Frustrará, fugindo, a aplicação da lei penal? Prognose nada fácil de ser fazer.

A condição natural das pessoas é a liberdade, proclamam os estados civilizados, somente se justificando a determinação de sua perda a condenação criminal transitada em julgado.

Quando o juiz opta pela decretação da prisão cautelar, inegavelmente, vislumbre há, para ele, de que irá proferir sentença condenatória.

Será, então, a custódia preventiva uma antecipação da pena de prisão que decorrerá da decisão condenatória definitiva?

Não se pode cogitar ser assim, do contrário se estará a fazer ruir todo um sistema baseado na presunção da não culpabilidade. Mas, impende afirmar, que, por vezes, é exatamente o que ocorre. Há o juiz que lutar tenazmente contra a ideia, consciente ou que subjaz à consciência, de tornar a prisão preventiva um início da pena que eventualmente aplicará ao final.

É claro, também, que se utilizar da prisão preventiva como elemento indutor de colaboração premiada, como nos casos tão em voga, é odioso. Não creio que juízes, para esse fim, tenham se valido dessa forma de constrição.

Finalizando, confesso que a decisão que mais me satisfazia moralmente enquanto julgador criminal era a de conceder de HC para revogar prisão preventiva ou conceder liberdade provisória, quando convicto de sua ilegalidade.

Impeachment

No sistema de governo parlamentarista, o processo para determinar sua queda, isto é, para afastar o chefe, que é o primeiro-ministro e, consequentemente, o gabinete, é eminentemente político, ficando na dependência da manifestação do Parlamento mediante voto desconfiança, ou outra votação que implique desaprovação às medidas políticas ou administrativas tomadas.

No sistema presidencialista, o processo de afastamento do presidente da república é politico e jurídico.

A manifestação do poder legislativo traduz ato político - de escolha de um determinado caminho - que se consubstancia no voto de seus integrantes. Não basta, porém, o intuito de apear o mandatário máximo. No Brasil, é preciso que os atos deste estejam descritos na lei como infrações. Não é suficiente, assim, o mero desejo de o Congresso Nacional afastar o Presidente da República, sendo necessário que a ele se agregue esse elemento jurídico de haver sua ação infringido a lei.

Qual lei? Primeiro e fundamentalmente a Constituição Federal.

O tema é tratado sob a rubrica "Da Responsabilidade do Presidente da República", relacionando o artigo 85 da Lei Maior os atos do Presidente da República que configuram crime de responsabilidade, que são aqueles os atos que atentam contra a Constituição Federal, especialmente, contra a existência da União, o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, a segurança interna do País, a probidade na administração, a lei orçamentária e o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Mas não basta essa conceituação e enumeração, pois no próprio dizer da Constituição, há que lei especial venha definir esses crimes e estabelecer as normas de processo e julgamento.

Esse diploma legislativo especial é a lei Federal 1.079/50 - recepcionada pela Constituição de 1988 -, que realmente tipifica, um a um, explicitando o texto constitucional, os crimes de responsabilidade do Presidente da República e de outros grados detentores de cargo público.

No processo de crime de responsabilidade contra o presidente da República, cada qual em seu momento, atuam a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

O procedimento tem início com o oferecimento à Câmara dos Deputados, por todo e qualquer cidadão (detentor, pois, de direitos políticos), de denúncia, que somente poderá ser recebida enquanto o Presidente da República não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo.

Recebida a denúncia, constituída comissão especial, oferecido e discutido seu parecer, não sendo a mesma arquivada, concedido prazo ao denunciado para contestá-la e indicar os meios de prova que pretenda, a Câmara dos Deputados decidirá, por votação nominal, proferindo juízo de admissibilidade ou não da acusação. A autorização para a instauração do processo é de competência privativa da Câmara dos Deputados e somente se dará pelo voto de dois terços de seus membros (a Câmara é composta por 513 deputados).

Autorizada a instauração do processo, este tramitará no Senado (nos crimes de responsabilidade), sob a presidência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, ficando o Presidente da República suspenso de suas funções por até cento e oitenta dias. Promovido o contraditório e encerrado os debates, o Senado o julgará, sendo necessário o voto de dois terços de seus integrantes para a condenação (o Senado é integrado por 81 senadores), que consistirá na perda do cargo público, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Tem-se, portanto, que, para o impeachment do Presidente da República, a par da manifestação política do Congresso Nacional, que, em uma democracia, deve estar em sintonia com responsável e consistente voz das ruas, todo um aparato jurídico é exigível. É de suma importância que a sociedade saia às ruas, postulando que uma ou outra posição seja adotada e que o Congresso Nacional emita juízo de valor condizente, mas o processo de impeachment do Presidente da República somente se aperfeiçoa juridicamente, com obediência estrita a todos os comandos legais, sem o que aberta estará a via judicial de contestação.

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*Walter de Almeida Guilherme é consultor do escritório Almeida Guilherme Advogados Associados.

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