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"Feminicídio": um benefício ao sujeito ativo do crime?

De acordo com a lei 13.104/15, o crime de homicídio ganha uma nova qualificadora, qual seja "matar mulher por razões da condição do sexo feminino".

terça-feira, 21 de julho de 2015

Atualizado em 20 de julho de 2015 16:53

De acordo com a lei 13.104/15, a qual foi sancionada do dia 9/3/15 e publicada um dia após, o crime de homicídio (art. 121, do CP), ganha uma nova qualificadora, qual seja "matar mulher por razões da condição do sexo feminino", isto é, homicídio que envolva violência doméstica e familiar ou menosprezo/discriminação à condição de mulher.

Ao analisar a referida lei, percebe-se que a mesma possui aspectos positivos e negativos, os quais precisam ser analisados. É bem sabido que, em plenos dias atuais, o homicídio simples é uma "ficção jurídica" nos Tribunais brasileiros. Na maioria das vezes, tal delito é cometido por motivo vil ou fútil ou, mais ainda, em situações que envolvem um sentimento de covardia e/ou elevado sofrimento à vítima. Além dessas hipóteses, que qualificam o crime, há também o homicídio cometido por motivo nobre - social ou moral - e o culposo, situações em que a pena, por razões de política criminal, é diminuída.

Diante do cometimento de homicídio doloso, contra mulher ou não, em não incidindo nenhuma das hipóteses do § 1º do art. 121, CP, a legislação penal já trazia a presença de uma ou mais qualificadoras. A novidade, contudo, é que a agravante do art. 61, II, f, CP (crime cometido com violência contra a mulher) não poderá ser aplicada em todo e qualquer caso que se esteja diante de crime cometido contra mulher. Isto porque o caput do art. 61, visando à manutenção do respeito ao Princípio do Non Bis In Idem, impõe que, se as circunstâncias por ele elencadas, servirem para, em primeiro lugar, qualificarem o crime, não poderão servir, ao mesmo tempo, como circunstância agravante.

Ocorre que, antes da citada alteração, se, hipoteticamente, um homem matasse sua esposa por motivos de ciúmes com vários disparos de arma de fogo, em vindo a ser processado e condenado por homicídio qualificado pela impossibilidade de defesa, o juiz fixaria sua pena base e, posteriormente, agravaria a pena de acordo com art. 61, II, f, CP.

Dessa forma, antes da nova lei, mesmo que a pena base do agente fosse fixada no mínimo legal, ou seja, 12 anos, o juiz teria que aumentar a pena por conta da agravante supramencionada, o que faria com que a pena sempre fosse maior que 12 anos. Agora, se as circunstâncias judiciais foram favoráveis e não houver nenhuma agravante ou causa especial de aumento de pena, o juiz fixará a pena no mínimo legal, que é 12 anos, já que, com a nova lei a pena do homicídio praticado contra mulher varia de 12 a 30 anos.

Agora, frise-se, com a nova redação do CP brasileiro, o magistrado estará impedido de qualificar e, ao mesmo tempo, agravar o delito de homicídio pelo motivo "crime contra a mulher". Primeiramente, os juízes deverão, cautelosamente, identificar a qualificadora (diante da hipótese de crime multiplamente qualificado) de modo que "sobre" alguma circunstância a ser utilizada no cômputo da pena como agravante presente no art. 61, CP.

Deve-se observar, ainda, que a lei trouxe outras novas implicações. O novo § 7º criou uma majorante de 1/3 (um terço), diante do cometimento de homicídio contra gestante. Desde já, cumpre destacar que a ciência da gestação é condição sine qua non para a aplicação desta causa especial de aumento de pena. O desconhecimento implicaria em "erro de tipo" (exclui o dolo, permanecendo a culpa).

Diante dessa inovação, tem-se que, de acordo com o sistema anterior, o agente deveria responder pelo crime de homicídio (art. 121, CP, com pena de reclusão de 12 a 30 anos) em concurso formal impróprio (penas somadas) com o crime de aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante (art. 125, CP, com penas de 03 a 10 anos de reclusão). Dessa forma, a pena variaria de 15 (12 +3) a 40 anos (30 + 10). Com a nova lei, a pena variará de 16 (12 + 1/3) a 40 anos ( 30 + 1/3). Trata-se, então, em resumo, do incremento de 1 ano de reclusão na pena mínima.

Vale destacar, ainda, que a lei especifica o sujeito passivo (mulher), mas não o faz em relação ao sujeito ativo, expondo apenas que o homicídio deve ser motivado por uma questão de gênero. Logo, nada impede que o sujeito ativo seja, também, uma mulher, bastando que o delito tenha como motivação, como já dito, uma questão de gênero.

Por fim, deve-se observar que, por ser uma hipótese de homicídio qualificado, o "feminicídio" se enquadrará no artigo 1º, da lei 8.072/90, o qual traz o rol dos crimes considerados hediondos. Dessa forma, aquele que matar mulher, por razões da condição de sexo feminino, terá que cumprir 2/5 da pena, se for primário, ou 3/5, se reincidente, para fins de progressão de regime. Além disso, a prisão temporária terá prazo de 30 dias, prorrogável por igual período, a teor do que dispõe o art. 2º, § 4º da mesma lei.

Enfim, as alterações trazidas pela nova lei devem ser observadas para que a real intenção do legislador seja alcançada. A diferenciação feita pela nova lei é importante e não foi feita "à toa". Levou-se em consideração o ambiente doméstico, onde os direitos humanos contra mulheres são violados com maior frequência.

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*José Luiz Galvão é advogado do escritório da Fonte, Advogados, especialista em Direito Penal da Economia e da Empresa.

*Maria Manuela Galvão é advogada do escritório da Fonte, Advogados, especialista em Direito Penal da Economia e da Empresa.

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