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A morte não nos assusta mais

Leonardo Pereira

Lamento que muitos de nós, mais até do que possamos imaginar, tenhamos nos acostumado à morte.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Atualizado em 26 de novembro de 2015 16:19

Como tudo na vida, vamos nos acostumando à dor, à carga tributária, à ausência de nossos queridos, aos julgamentos alheios, ao efeito que o cigarro nos traz nas primeiras tragadas, ao torpe deleite do álcool em nosso sangue. Creio que eu possa chamar isso de tolerância, ou a ampliação de suas margens.

 

Pensando sobre isso hoje, lamento que muitos de nós, mais até do que possamos imaginar, tenhamos nos acostumado à morte. Penso em quantos, ou só eu, choraram diante das notícias do ataque do EI - Estado Islâmico diante da TV na semana passada. Não sou tão velho, na verdade ainda me sinto com 19, para lembrar o quanto era assustadora a chamada do plantão da TV Globo para uma notícia trágica. Sabíamos que dali viria alguma notícia que nos comoveria por dias, semanas.

 

E isso me faz pensar que a morte em si, já não nos apregoa tanto quanto a barbárie, ou seja, para sermos impactados, para nos curvarmos diante das insanas atitudes do homem, o movimento tem que ser cinematográfico, trágico, cretino. Só a morte, seja ela em que volume for, não nos assusta mais.

 

Farei uma triste comparação: em Paris, morreram quase 200 pessoas. E dentro do mesmo mês, quase que na surdina, aproximadamente 2000 pessoas foram brutalmente assassinadas nos confrontos entre as Forças Armadas e os milicianos do grupo islâmico Boko Haran, na Nigéria. O número é 10 vezes maior. E não pense que estou comparando uma guerra a um ataque terrorista. Em termos de barbárie, a crueldade na África também supera em muito o que vimos na França. Pode acreditar.

 

E por que então focamos nossas preces e olhares só na França? Bom, consigo elencar um sem número de razões, inclusive o ataque ao núcleo mundial do pensamento romântico, supondo que 7 em cada 10 sonhos de amor passam por Paris. E se estiver eu pensando do modo correto, estamos fazendo exatamente o que quer o EI. "Já que matar não causa mais comoção mundial, depois de atacarmos o WTC em Nova York, destruindo o busto capitalista, vamos agora castigar os sonhos do romantismo mundial, seu aparente véu do amor e da libido". Morte aos sonhos.

 

E para que possam justificar a barbárie injustificada, dizem eles que é culpa do Iluminismo. Bem assim, sem nexo. E dando publicidade e holofotes, fortalecemos a campanha de marketing deles, tornando notória a causa extremista surgida da falta de radicalismo na atuação da al-Qaeda. Mesmo sendo tudo o que sei sobre o EI, entendo agora porque eles filmam pessoas sendo queimadas vivas, tanques de guerra passando sobre prisioneiros amarrados, decapitações... só assim poderiam chamar nossa atenção.

 

E lamentavelmente, consternamo-nos pouco ou quase nada com o que estamos fazendo com nós mesmos, com a humanidade que compomos com nosso comportamento. Não vivi o caos do Holocausto, mas envergonho-me da humanidade, tal como se eu fosse um corresponsável, mesmo não sendo nascido à época. E para que minha carga de comprometimento com o resultado futuro dessa estupidez não seja maior do que a que já sinto pelos horrores da segunda guerra, é que clamo por nossa mudança comportamental, para que nos unamos com mais vivacidade às causas humanitárias.

 

Não temos que esperar pelo show do Pearl Jam para dizer "nossa, eles doaram o cachê para as vítimas de Mariana". Temos que ser intolerantes com tudo aquilo que se opera contra nossa liberdade, conta nossos valores. E sim, podemos fazer isso sem sermos beligerantes, sem sermos mal-educados ou donos da verdade. Podemos chamar o dobro da atenção, se fizermos com amor, se chorarmos por cada vida perdida, se voltarmos a ser tão humanos quanto éramos, sei lá quando. Mas acho que éramos melhores.

 

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*Leonardo Pereira é diretor acadêmico do IOB Concursos.

 

IBTP - INSTITUTO BRASILEIRO DE TREINAMENTO PROGRAMADO S.A.

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