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O programa de regularização tributária e suas implicações jurídicas

Gabriel de Freitas Queiroz e Matheus de Abreu Chagas

Por meio da MP 766/17, o Governo Federal instituiu o PRT, mais um dos programas de parcelamentos de débitos tributários federais, prática que se tornou costumeira nos últimos anos.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Atualizado em 10 de fevereiro de 2017 12:42

Por meio da MP 766/17, o Governo Federal instituiu o PRT - Programa de Regularização Tributária, mais um dos programas de parcelamentos de débitos tributários federais, prática que se tornou costumeira nos últimos anos.

Dentre os benefícios da recente legislação, constam a possibilidade de parcelamento de dívidas vencidas até 30 de novembro de 2016, de pessoas físicas ou jurídicas, objeto de discussões administrativa ou judicial, incluídas em parcelamentos anteriores rescindidos ou não, em até 120 (cento e vinte) prestações mensais e sucessivas.

O benefício que mais chamou a atenção dos contribuintes, contudo, foi o da possibilidade de utilização dos prejuízos fiscais acumulados, da base de cálculo negativa da CSLL e de outros créditos tributários do contribuinte contra a RF para a quitação dos débitos tributários.

Considerando que a referida MP, em relação ao uso do prejuízo fiscal, da base de cálculo negativa e dos outros créditos, foi extremamente genérica, a maior parte dos contribuintes aguardou, cautelosamente, a obrigatória regulamentação pela RF do Brasil. Esta regulamentação foi concretizada com a publicação da recente IN 1.687/17. De acordo com essa IN, o PRT, no âmbito da RF, respeitará as seguintes condições e modalidades:

a) pagamento de, no mínimo, 20% do valor da dívida consolidada e quitação do saldo com o uso do prejuízo fiscal, da base de cálculo negativa e de outros créditos do contribuinte contra a RFB;
b) pagamento de, no mínimo, 24% do valor da dívida consolidada em 24 prestações mensais e sucessivas e quitação do saldo com o uso do prejuízo fiscal, da base de cálculo negativa e de outros créditos do contribuinte contra a RFB;
c) pagamento de, no mínimo, 20% do valor da dívida consolidada e quitação do saldo em 96 prestações mensais e sucessivas; ou
d) pagamento da dívida em até 120 prestações mensais e sucessivas, respeitando os percentuais mínimos de 0,5% (1ª a 12ª prestação), de 0,6% (13ª a 24ª prestação), de 0,7% (25ª a 36ª prestação), sobre o valor da dívida consolidada, e da 37ª prestação em diante as prestações serão equivalentes ao saldo da dívida dividido por 84 prestações mensais e sucessivas.

No que se refere aos itens "a" e "b", havendo saldo remanescente após o pagamento inicial e o uso do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa, este saldo poderá ser quitado em até 60 prestações mensais e sucessivas, cujo início se dá no mês posterior ao do pagamento à vista ou no 25º mês, na hipótese do item "b".

Em relação ao prejuízo fiscal e à base de cálculo negativa, a RF determinou que os valores a serem utilizados para amortização dos débitos tributários equivalem a 25% do saldo do prejuízo fiscal e a 9% do saldo da base de cálculo negativa da CSLL no caso de pessoas jurídicas não incluídas no artigo 1º, §1º, da LC 105/01, ambos acumulados até 31 de dezembro de 2015 e declarados até junho de 2016.

É possível também a utilização do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa de pessoas jurídicas controladoras ou controladas, direta ou indiretamente, ou de empresas que sejam controladas direta ou indiretamente por uma mesma empresa, desde que domiciliadas no Brasil.

Em relação aos outros créditos de titularidade do contribuinte, como aqueles obtidos, por exemplo, em ações judiciais de recuperação de crédito tributário, o seu uso está condicionado ao fato de que eles já constem de processos administrativos de restituição ou ressarcimento (PER/DCOMP), desde que não tenham decisão de indeferimento, ainda que não definitiva.

Quer no caso do uso do prejuízo fiscal e da base de calculo negativa, quer no caso do uso dos outros créditos tributários do contribuinte, a RF disporá do prazo de 5 anos para homologação dos créditos e liquidação definitiva dos débitos, sendo obrigação do contribuinte manter, nesse prazo, os livros e documentos exigidos pela legislação fiscal comprobatórios do montante do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa, bem como baixar os valores utilizados nos respectivos livros fiscais.

Como dito anteriormente, também poderão ser incluídos débitos objeto de discussão administrativa ou judicial, desde que haja a expressa desistência e renúncia do direito sobre o qual se funda as ações ou os recursos do contribuinte. É possível também a desistência ou a renúncia parcial, desde que sejam identificáveis os débitos cuja desistência ou renúncia se operou. A desistência e a renúncia, por outro lado, não evitarão o pagamento dos honorários devidos pelos contribuintes em ações judiciais.

A mesma lógica é aplicável para débitos incluídos em programas de parcelamentos anteriores. Tais débitos poderão ser migrados para o PRT, desde que haja a expressa desistência do contribuinte do parcelamento anterior, e implicarão a perda de eventuais benefícios de redução de multas/juros aplicáveis ao parcelamento anterior.

Ademais, em relação às causas de exclusão do PRT, além daquelas já amplamente conhecidas, há também novidades, como, por exemplo, a falta de pagamento dos débitos posteriores a 30 de novembro de 2016, inscritos ou não em dívida ativa, a falta de regularidade com as obrigações atinentes ao FGTS, a constatação de procedimentos que intencionem o esvaziamento patrimonial do contribuinte e a apresentação de medida cautelar fiscal contra o contribuinte.

Em síntese, portanto, estas são as principais características do novo programa especial de regularização tributária, denominado PRT, as quais ainda podem estar sujeitas a alterações, tendo em vista a possibilidade de mudanças legais quando da conversão da medida provisória em lei.
Ante o cenário exposto, para muitos indivíduos o novo programa de parcelamento não se mostrou benéfico, visto que as condições impostas pelo executivo passam longe daquelas contidas nos antigos REFIS. Por outro lado, salta aos olhos a possibilidade do uso do prejuízo fiscal pelo contribuinte, especialmente para aqueles acusados de sonegação fiscal.

Nesse último ponto surge uma grande questão sob ótica penal que merece destaque: o ingresso no PRT garantirá a suspensão de eventual inquérito policial e/ou ação penal por crime contra a ordem tributária?

Como é sabido, em sua essência, a esfera penal e a tributária guardam grande semelhanças, sem contar que se complementam quando há ocorrência ilícita relacionada a ausência (dolosa) de prestação pecuniária ao Estado. O próprio STF atestou a ligação intrínseca das esferas a partir da expedição da Súmula Vinculante 24 e pela consolidação de precedentes apontando para a extinção de procedimentos criminais após a quitação do tributo1.

Considerando as inúmeras possibilidades de parcelamento tributário, firmou-se o posicionamento para a suspensão de ações em âmbito penal, desde que o ingresso no programa se der antes do recebimento da denúncia pelo magistrado.

Pois bem, considerando que o PRT é um programa de parcelamento que poderá dar ensejo a extinção de créditos tributários supostamente sonegados, entendemos que o ingresso em tal programa acarretará na suspensão de qualquer inquérito policial ou ação penal, desde que a Fazenda pública conceda o parcelamento antes do recebimento da denúncia.

A justificativa para a nossa conclusão é simples: o PRT é apenas uma forma diversa de quitação do tributo supostamente sonegado, cujo adimplemento acarretará, invariavelmente, na extinção da punibilidade por crime tributário.

Em sentido contrário, poderiam aduzir ser impossível a suspensão ante a ausência de qualquer indicação no texto normativo acerca da extinção da punibilidade pela quitação integral do tributo. Porém, tal vacância é suprida pela previsão expressa contida no artigo 1°, §1°, da própria MP 766/17, garantindo que o PRT abranja créditos objetos de parcelamentos anteriores. Desse modo, podemos dizer que a suspensão do procedimento criminal acompanhará o ingresso neste novo programa, da mesma forma como outrora se deu nos antigos parcelamentos.

Adicionalmente, com base na CF, a norma instituidora do PRT não poderia expor sobre a extinção da punibilidade criminal, já que fora elaborada sob forma de Medida Provisória, documento cujas bases são limitadas pelo artigo 62, §1°, I, "b", da CF.

Por derradeiro, ainda que o PRT esteja em estágio inicial, tramitando provisoriamente, a nosso ver, a aceitação aos seus termos e a manutenção dos pagamentos devem ser avaliadas pelo juízo criminal como atos válidos, utilizáveis para a delimitação da suspensão do inquérito policial ou da ação penal, já que servem em âmbito administrativo-tributário e, como dito, mudanças nesta área afetam o procedimento criminal.
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1. Por todos: HC 86465, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 06/02/2007, DJe-047 DIVULG 28-06-2007 PUBLIC 29-06-2007 DJ 29-06-2007 PP-00143 EMENT VOL-02282-06 PP-01072

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*Gabriel de Freitas Queiroz é sócio do escritório Queiroz & Meirelles Sociedade de Advogados.

*Matheus de Abreu Chagas é sócio do escritório Barretto Chagas Pessôa Sociedade de Advogados.

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