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O Direito e a tecnologia, Eudes Quintino

O Direito e a tecnologia

Não se pode dizer que o Direito seja estático. É dinâmico, por sua própria natureza, que é a de proporcionar regras harmônicas de convivência de acordo com o progresso e evolução do homem.

domingo, 23 de abril de 2017

Atualizado em 20 de abril de 2017 16:08

A cada dia que passa o mundo vai se transformando rapidamente. A revolução tecnológica cresce a passos largos e o homem que a ela se incorpora com a mais grata satisfação, isto porque carrega promessas e vantagens incomparáveis e incontáveis com as oferecidas até então pelo cotidiano, não percebe que está sendo dominado por uma inteligência, embora artificial e por ele mesmo criada, com o rigorismo da mais perfeita tecnologia.

Sem qualquer exagero, parece que o homem, de ator principal e provedor, passa a fazer parte do sistema como ator secundário, por se apresentar como o único destinatário do progresso técnico por ele engendrado. E a evolução é tão gigantesca e até mesmo desproporcional com a realidade do próprio mundo que de um ano para outro as transformações são significativas e muitas vezes não deixam de causar preocupações, pois muitas delas impulsionam conquistas nem sempre recomendadas eticamente.

O Direito, no entanto, faz seu caminhar paralelo e solitário, de forma lenta, sem atropelos e de quando em quando lança um olhar sobre as novas conquistas tecnológicas, que ainda não fazem parte de seu arsenal legislativo, e fica aguardando manifestações a respeito da nova revolução que se apresenta e desafia as necessidades da sociedade.

Não se pode dizer que o Direito seja estático. É dinâmico, por sua própria natureza, que é a de proporcionar regras harmônicas de convivência de acordo com o progresso e evolução do homem. Porém, de um dinamismo moderado, pois não pode abandonar as regras de equilíbrio da balança, que recomenda sempre um criterioso bom senso. Daí que não se adianta a qualquer fato novo e se limita a aguardar a sedimentação de outro que se encontra em curso para, posteriormente, se for da conveniência do homem, lançar seu nihil obstat com a consequente promulgação de uma lei.

Assim, a título de exemplo, basta verificar que a engenharia genética evoluiu tão rapidamente que o legislador civil, com um Código que completa 15 anos, apesar de cuidar até mesmo da inseminação e fecundação para a reprodução assistida in vita e post mortem, não traz qualquer regramento a respeito das condições necessárias e exigidas para o casal atingir a procriação. Nem mesmo lei ordinária tem o condão de fazer a cobertura da lacuna. O único instrumento legal disponível é a resolução 2121/2015, do Conselho Federal de Medicina, que estabelece normas interna corporis de procedimento e condutas éticas para os profissionais responsáveis pela reprodução assistida.

A utilização de células tronco-embrionárias, para fins de pesquisa e terapia, após enfrentar a batalha judicial reproduzida na Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, do artigo 5º da lei 11.105/2005, quando se definiu a tutela legal do embrião, é outro exemplo que se traz à baila para demonstrar o envolvimento da biotecnologia no Direito.

É oportuno, também, fazer menção à resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece as diretrizes protetivas do participante de pesquisa envolvendo seres humanos, compreendendo os aspectos éticos da pesquisa; do processo de consentimento livre e esclarecido; dos  riscos e benefícios envolvendo seres humanos; do sistema CEP/CONEP e suas atribuições e competências para análise ética dos protocolos e a emissão de pareceres devidamente motivados e da responsabilidade do pesquisador responsável.

Os dispositivos de telefonia móveis figuram na lista top da melhor e mais avançada tecnologia. E a cada novo modelo lançado pelas gigantes da área, com pompa mundial, trazem aplicativos que cada vez mais vão invadindo a privacidade do homem, isolando-o como um refém de sua própria conquista, tornando-o um seguidor contumaz e inveterado e um alvo fácil para conseguir, mediante fraude de espertos especuladores, mais dividendos financeiros.

Mas, não se pode negar que, em alguns casos, o Direito já transitou pelo WhatsApp em busca de endereço de parte em processo trabalhista, assim como sua intimação para audiência e, em outros casos, frequentou o Facebook de litigante em processo e de lá retirou prova para sustentar uma decisão judicial. Sem falar ainda da opção pelo processo eletrônico, que tem como suporte a tecnologia mais avançada, justamente para acelerar e facilitar o manejo dos processos judiciais.

A realidade que se avizinha traz um futuro com uma formatação totalmente diferente da que se concebe hoje e, o Direito, como agente equalizador das necessidades do homem, deve ceder o espaço reclamado e se adaptar às novas regras impostas pela tecnologia. Faz repetir a sensação descrita por Harari: "A mão fria do passado emerge do túmulo dos nossos ancestrais, nos agarra pelo pescoço e nos força a olhar na direção de um único futuro. Sentimos esta constrição desde o momento em que nascemos. E assim presumimos que ela é parte natural e inescapável do que somos"1.

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1 Harari, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. Tradução Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 67.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.





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