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Os reajustes por sinistralidade e as suas distorções

Os questionamentos acerca do reajuste por aumento de sinistralidade baseiam-se, principalmente, na falta de clareza para a sua apuração, favorecendo um aumento unilateral de preço pelas operadoras, assim como os altos índices de reajuste que são aplicados em razão da sinistralidade, onerando excessivamente o consumidor.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Atualizado em 11 de maio de 2017 12:42

O reajuste por sinistralidade consiste em uma fórmula comumente prevista nos contratos dos planos e seguros de saúde coletivos, utilizada para calcular um índice de reajuste a ser aplicado sobre a mensalidade, caso a despesa anual que a operadora teve com aquele grupo de beneficiários ultrapasse um determinado percentual da receita do mesmo período.

O percentual máximo de sinistralidade, também conhecido como break even point ou ponto de equilíbrio, deve estar previsto em contrato e é geralmente fixado pelas operadoras em 70% (setenta por cento) do valor da receita.

Esta previsão contratual permite que as operadoras apliquem o reajuste por sinistralidade em percentual ilimitado, para manter as despesas desses contratos abaixo do break even point, garantindo uma razoável margem de lucro e eliminando o fator risco de sua atividade.

A aplicação de reajustes por sinistralidade em contratos de planos de saúde coletivos é uma das matérias pouco regulamentada pela legislação e tem sido motivo de muitos litígios, apresentando-se como um dos principais temas mais discutido na Justiça.

A lei 9.656/98¹ não trata especificamente deste reajuste, apenas determina que o valor da mensalidade do plano de saúde e os critérios para seu reajuste devem estar claramente previstos no contrato.

A Resolução Normativa 195/09 da ANS apenas estabelece que nenhum contrato poderá receber reajuste em periodicidade inferior a doze meses, com exceção aos reajustes por mudança de faixa etária².

Na prática, os contratos coletivos recebem anualmente um aumento, que é composto pela variação da inflação médica, também conhecido como reajuste financeiro, e do reajuste por sinistralidade, além dos reajustes por mudança de faixa etária de seus beneficiários.

Com relação aos grupos com menos de trinta vidas, conhecidos como PME's - pequenas e médias empresas, existe uma regra específica para a aplicação do reajuste por sinistralidade.

Em outubro de 2012, a ANS editou a Resolução Normativa 309, obrigando todas as operadoras e seguradoras a agruparem os contratos de planos coletivos que mantêm com menos de 30 vidas, para que a apuração do índice de sinistralidade seja feita naquele conjunto de contratos agrupados, o que levará à aplicação do mesmo índice de reajuste para todos os contratos.

Porém, a RN 309/12 excepciona do cálculo do reajuste por agrupamento os contratos de planos de saúde exclusivos para inativos (ex-empregados demitidos ou aposentados), regulamentados pela RN 279/11, bem como os contratos firmados antes da vigência ou não adaptados à Lei de Planos de Saúde.

Os questionamentos acerca do reajuste por aumento de sinistralidade baseiam-se, principalmente, na falta de clareza para a sua apuração, favorecendo um aumento unilateral de preço pelas operadoras, assim como os altos índices de reajuste que são aplicados em razão da sinistralidade, onerando excessivamente o consumidor.

Justamente por não possuir limites ou parâmetros, o reajuste por sinistralidade, em determinadas situações, pode representar distorções e inviabilizar a continuidade do contrato. Um levantamento feito pelo IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec, 2013), sobre ações judiciais discutindo o reajuste por sinistralidade em tribunais de todo o país, identificou casos levados à justiça que discutiam aumentos que variavam de 11,78% a 583,27%:



Muitas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo reconhecem a ilegalidade da cláusula contratual que prevê o reajuste por aumento de sinistralidade:

A apelante justifica a aplicação do índice de 38,20% (trinta e oito inteiros e vinte centésimos) para o reajuste, no aumento da sinistralidade ocorrido no contrato; entretanto, não faz qualquer prova acerca de suas alegações.
Verifica-se a abusividade e lesividade do reajuste previsto como base na cláusula contratual 16.1 das condições gerais do contrato, inclusive, pela dificuldade de entendimento, pois traz fórmula inacessível, como abaixo transcrita:
"16.1 (...) as Taxas Mensais de Manutenção, expressas em reais, serão corrigidas com base na variação dos custos dos serviços hospitalares e/ou médicos, dos preços dos insumos utilizados na prestação desses mesmos serviços e dos custos administrativos apurados, respeitando-se a seguinte equação:
IRMS = (C x P1) + (E x P2) + (S x P3) + (DT x P4) + (MM x P5) + (DG x P6)
SENDO:
IRMS = Índice de reajuste Medial Saúde;
C = Variação dos preços das consultas;
E = Variação dos preços dos exames;
S = variação dos preços dos salários;
DT = Variação dos preços das Diárias e Taxas Hospitalares;
MM = Variação dos preços de Materiais e Medicamentos;
DG = Variação dos preços das Despesas Gerais;
P = Pesos aplicados nos respectivos itens da fórmula" (fls. 38).
A fórmula de reajuste adotada ostenta evidente hermetismo e confere, à seguradora, a possibilidade de, sem qualquer controle do contratante, adotar os percentuais que desejar, obstada ou, ao menos, muito dificultada qualquer impugnação. Criou-se, em verdade, um verdadeiro malabarismo matemático.
Tal como o ressaltado, com absoluta propriedade, por Arnaldo Rizzardo (Contratos, 2ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2001, pp.586-588), não se leva em consideração o tempo decorrido desde o início da relação contratual, persistindo absoluta falta de coerência com o sistema previdenciário ou atuarial próprio aos contratos de seguro, inchando encargos na medida em que as necessidades se fazem sentir mais frequentemente e provocam aumento de despesas.
A par disso, não há como se considerar válido o reajuste, eis que a cláusula acima descrita é incompreensível e, destarte, não há como se considerar corretas as justificativas da apelante para aplicação do índice pretendido (TJSP, 2013m).

Dessa forma, é possível observar que o Poder Judiciário tem impedido reajustes por sinistralidade com índices abusivos, que podem comprometer a manutenção do contrato, além de estarem baseados em cláusulas obscuras, de difícil compreensão, que não permitem ao consumidor ter a real compreensão do reajuste a que está sujeito.

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1 Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza: (...) XI - os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias.
2 Art. 19 Nenhum contrato poderá receber reajuste em periodicidade inferior a doze meses, ressalvado o disposto no caput do artigo 22 desta RN.

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*Rafael Robba é advogado, pós-graduado em Responsabilidade Civil e sócio do escritório Vilhena Silva Advogados.




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