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Opinião legal

Exame da OAB em matéria tributária. Avaliação da prova

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Atualizado em 7 de novembro de 2017 14:41

Dos fatos

O Consulente não se conformando com as notas atribuídas a uma das respostas consignadas em cada uma das duas questões formuladas pela Banca Examinadora apresentou impugnação administrativa, cujo desfecho lhe foi desfavorável, pelo que ingressou com ação ordinária perante a Justiça Federal contra a OAB/SP, pleiteando a concessão liminar de tutela antecipada para o "fim de ser declarada a sua APROVAÇÃO no XIX Exame da OAB/SP".

Pede nossa opinião legal apresentando as duas questões formuladas, as respostas consignadas no Gabarito e as dadas pelo consulente, como segue:

Questão 02-B

Por vários anos, Alberto trabalhou na pessoa jurídica Alfa Ltda. Quando da rescisão de seu contrato de trabalho, a pessoa jurídica pagou a Alberto a remuneração proporcional aos dias trabalhados no curso do mês em que se deu a rescisão; e o valor equivalente a 3 (três) meses de salário, como gratificação voluntária (mera liberalidade) pelos anos de bons serviços prestados pelo ex - empregado. Com base no caso apresentado, responda aos itens a seguir.

A) Incide o Imposto sobre a Renda (IR) sobre a remuneração proporcional aos dias trabalhados por Alberto? (Valor 0,60)

B) Incide o Imposto sobre a Renda (IR) sobre a gratificação voluntária paga a Alberto? (Valor 0,65)

RESPOSTA DO GABARITO:

B) Sim, pois a denominação que venha a lhe dar o empregador (ou ex-empregador) não altera sua vinculação com os serviços prestados pelo empregado (ou ex-empregado), conforme previsto pelo Art. 43, § 1º, do CTN.

RESPOSTA DO AUTOR:

Acerca da gratificação voluntária que Alberto recebeu também há que se falar na incidência do imposto de renda, haja vista que a parcela recebida não se enquadra em nenhuma possibilidade de isenção do referido imposto, bem como que o respaldo jurídico para a incidência do tributo vem narrada no art. 43, II, do Código Tributário Nacional, já que o mesmo engloba neste tributo proventos de qualquer natureza, que não sejam compreendidos pelo inciso anterior. De tal forma que a gratificação se enquadra nesta parte da legislação pelo fato de ser um acréscimo patrimonial que Alberto teve, assim merecendo a incidência do imposto de renda.

Questão 4-A

Em dezembro de 2014, o Município de Macaé-RJ editou a lei 1.234, estendendo o prazo para a cobrança judicial dos créditos de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de cinco para seis anos. O mesmo Município ajuizou, em 2015, execução fiscal em face da pessoa jurídica Ômega, para a cobrança de créditos do IPTU não pagos. Os valores desses créditos sofreram correção monetária por ato do Poder Executivo em percentual superior ao índice oficial. Diante disso, responda aos itens a seguir.

A) O Município de Macaé-RJ agiu corretamente ao editar a lei 1.234? (Valor: 0,60)

B) É correta a atualização monetária do IPTU em percentual superior aos índices oficiais por ato do Poder Executivo? (Valor: 0,65)

RESPOSTA DO GABARITO:

A) O Município de Macaé-RJ não agiu corretamente ao editar a lei 1.234, já que cabe à União, por meio de lei complementar, estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição, conforme Art. 146, III, b, da Constituição Federal.

RESPOSTA DO AUTOR:

Acerca do ato da Municipalidade de Macaé, nota-se que a mesma agiu de maneira incorreta ao editar tal legislação, haja vista que tal matéria não pode ser tratada por meio de legislação municipal.

Firmando tal entendimento utilizamos o art. 146, III, b do Excelso Texto Constitucional, onde expressa claramente que as normas tributárias que versem sobre prescrição e decadência têm o seu conteúdo reservado a Lei Complementar, assim só podendo ser alterado por meio de Lei Complementar e não por meio de Lei Municipal.

Por fim, de acordo com o artigo 174 do Código Tributário Nacional o prazo prescricional para a ação de cobrança é de 5 anos.

Opinião legal

Questão 02-B

Consigne-se, desde logo, que a denominação correta do imposto sob exame é imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza, conhecido abreviadamente como imposto de renda.

A resposta reputada correta que consta do Gabarito é a seguinte:

"Sim, pois a denominação que venha a lhe dar o empregador (ou ex-empregador) não altera sua vinculação com os serviços prestados pelo empregado (ou ex-empregado), conforme previsto pelo Art. 43, § 1º, do CTN."

A resposta consignada no Gabarito está correta tendo amparo, tanto no invocado art. 43, § 1º do Código Tributário Nacional, como também e principalmente, no inciso I, do art. 4º do mesmo Código que tem alcance mais abrangente.

Igualmente, a resposta dada pelo Consulente se nos afigura correta. Senão vejamos:

A pergunta versa sobre incidência ou não do imposto de renda sobre a "gratificação voluntária" percebida por Alberto por ocasião da rescisão do seu contrato de trabalho.

A resposta dada foi no sentido de que incide o imposto à vista da inexistência de norma isentiva para a hipótese aventada, o que é rigorosamente correto.

Procurando enriquecer a sua resposta, o Consulente argumentou com a incidência do inciso II, do art. 43 do CTN caso se entenda que aquela "gratificação voluntária" não se revista de natureza salarial. Buscou demonstrar a ocorrência do fato gerador do imposto de renda nesse caso concreto, em virtude do acréscimo patrimonial experimentado pelo ex- empregado.

De fato, o elemento nuclear, material ou objetivo do fato gerador do imposto de renda é o acréscimo patrimonial de que fala o Consulente, o que se infere da leitura conjugada dos incisos I e II, do art. 43 do CTN. O caput do art. 43 expressa apenas o aspecto temporal do fato gerador, isto é, quando se tem por ocorrido o fato gerador: a) disponibilidade econômica (cash basis) de renda e proventos em relação à pessoa física; e b) disponibilidade jurídica (accrual basis) em relação às pessoas jurídicas. Explica-se: na venda de mercadorias ou na prestação de serviços para a pessoa física, o preço respectivo é normalmente pago no ato. Em relação às pessoas jurídicas presume-se que o preço respectivo será pago mediante entrega da mercadoria ou prestação efetiva do serviço, acompanhada da respectiva documentação fiscal idônea. Daí porque, a partir desse momento, o vendedor ou o prestador do serviço adquire o direito de crédito contra comprador ou tomador do serviço. O pagamento efetivo em moeda corrente poderá ocorrer por via de duplicata, boleto bancário, ou qualquer outro meio, porque as empresas trabalham com a "programação financeira" para movimentação de seu caixa.

Concluindo, a resposta dada pelo Consulente foi além do necessário, para justificar a incidência do imposto de renda no caso sob exame, até mesmo na hipótese em que seja desconsiderada a natureza salarial daquela "gratificação espontânea".

Contudo, respondendo especificamente à pergunta formulada, o Consulente deixou clara a conexão entre o vínculo empregatício e a importância percebida a título de gratificação conferindo-lhe, portanto, natureza salarial ao afirmar que "a parcela recebida não se enquadra em nenhuma possibilidade de isenção do referido imposto".

Questão 4-A

A resposta considerada correta no Gabarito foi a seguinte:

A) "O Município de Macaé-RJ não agiu corretamente ao editar a lei 1.234, já que cabe à União, por meio de lei complementar, estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre prescrição, conforme Art. 146, III, b, da Constituição Federal".

Correta se mostra a resposta dada.

O Consulente, por sua vez, respondeu que o Município de Macaé "agiu de maneira incorreta ao editar tal legislação, haja vista que tal matéria não pode ser tratada por meio de legislação municipal".

Para sustentar esse posicionamento citou expressamente o art. 146, III, b da CF que coloca sob reserva de lei complementar a elaboração de normas gerais em matéria de legislação tributária, mencionando, pela pertinência, de modo especial os institutos da decadência e da prescrição.

Entretanto, a resposta dada pelo Consulente foi desconsiderada pela instância revisora da OAB/SP porque faltou consignar que "cabe à União por meio de Lei Complementar, estabelecer normas gerais sobre prescrição".

Ora, a ausência da palavra "União" na resposta consignada pelo Consulente em nada prejudica a conclusão apresentada, por resultar aquela palavra explicitada pela leitura conjugada do art. 146, III da CF com o seu art. 24, § 1º que assim prescreve: No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

Não há como negar que a legislação tributária é concorrente aos três níveis de imposição tributária, assim como, que, ao afastar a competência legislativa municipal, o Consulente estava a apontar a competência legislativa da União, por meio de Lei Complementar. Não é razoável supor que o Consulente tivesse apontado a competência legislativa do Estado que em matéria de legislação concorrente só detém a competência supletiva (§§ 2º e 3º, do art. 24 da CF). Aliás, basta tão só afirmar a incompetência legislativa do Município para invalidar a indigitada lei.

Outrossim, como a questão formulada menciona expressamente o ano do ajuizamento da execução fiscal (2015), sem mencionar o exercício a que corresponde o IPTU sob cobrança, o Consulente citou, também o instituto da decadência, pois é comum ao fisco em geral propor execução fiscal com base no crédito tributário constituído por lançamento efetuado fora do prazo quinquenal, principalmente, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação (art. 150, § 4º do CTN.

Todavia, para ser fiel à pergunta específica o Consulente consignou que o prazo prescricional é de 5 anos de acordo com o art. 174 do CTN.

Uma vez mais o Consulente revelou conhecimento técnico além do exigido na prova.

Conclui-se do exposto que o Consulente respondeu acertadamente a ambas as perguntas formuladas na prova.

Nas questões dissertativas, que envolvem argumentações jurídicas, não se devem padronizar as respostas como se tratasse de questões na modalidade de respostas de múltiplas escolhas. O exame de Ordem destina-se a aferir conhecimentos básicos do candidato, principalmente, a sua capacidade de argumentação que é o requisito essencial para o exercício da advocacia.

Por isso, cabe ao Consulente lançar mão do princípio de acesso ao Judiciário para evitar a perpetuação da lesão a seu direito (art. 5º, XXXV da CF), buscando a declaração judicial de que corretas estão as respostas dadas e determinando que o Acionado reveja o resultado da prova, por não se tratar de pedido de revisão do critério de correção de seleções públicas, nem de exame do mérito do ao administrativo, como faz crer o contestante.

O Consulente, simplesmente requer o exame da adequação das respostas dadas ao direito positivo vigente, sem qualquer interferência, tanto no critério de formulação de questões e atribuições de peso a cada pergunta, como também, no critério de avaliação que, diga-se de passagem, qualquer que ele seja não pode implicar contrariedade ao direito legislado. Trata-se simplesmente de examinar as respostas dadas de forma objetiva à luz do direito vigente, mediante confronto da situação fática narrada com a hipótese legal prevista, tarefa que incumbe ao Judiciário em homenagem ao princípio da universalidade da jurisdição.

Consigne-se, por fim, que a doutrina e a jurisprudência que vedam o exame do mérito do ato administrativo pelo Judiciário vêm perdendo terreno a cada dia que passa, porque o Poder Judiciário vem assumindo uma postura cada vez mais ativa na área de políticas públicas corrigindo as distorções, quer na elaboração dos planos respectivos, quer na execução desses planos.

Já se foi a época em que o STF, por exemplo, se recusava a fazer o controle concentrado da Lei Orçamentária Anual, sob o fundamento de tratar-se de uma lei de efeito concreto. As aberturas de créditos extraordinários fora das hipóteses de imprevisibilidade e urgência das despesas vêm sendo declaradas inconstitucionais (ADI nº 4.048, DJ de 22-8-08; ADI nº 2925, DJ de 4-3-05).

É a minha opinião legal.

São Paulo, 30 de outubro de 2017.

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*Kiyoshi Harada é especialista em Direito Tributário pela USP. Advogado da banca Harada Advogados Associados.

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